Retomamos, nesta pequena brodchura, editada pela Comissão de Informações do Partido, parte dos temas abordados no nosso discurso improvisado no Symposium d’Alma-Ata — República Socialista Soviética do Cazaquistão, em Abril de 1970.
O valor e o carácter transcendente do pensamento e da obra humana, política, científica, cultural — histórica — de Vladimir llitch Lénine são há muito já um facto universalmente reconhecido. Mesmo os mais ferozes adversários das suas ideias tiveram de reconhecer em Lénine um revolucionário consequente, que soube dedicar-se totalmente à causa da revolução e fazê-la, um filósofo e um sábio cuja grandeza só é comparável à dos maiores pensadores da humanidade.
Actualmente, não é raro ouvir políticos—mesmo os mais anti-socialistas — citar Lénine ou gabar-se de ter lido as suas obras. É evidente que não podemos acreditá-los à letra, mas isso dá bem a medida da importância (mesmo da necessidade) do pensamento de Lénine e da vastidão das consequências práticas da sua acção no contexto histórico actual.
Para os movimentos de libertação nacional, cuja tarefa é fazer a revolução, modificando radicalmente, pelas vias mais adequadas, a situação económica, política, social e cultural dos seus povos, o pensamento e a acção de Lénine têm um interesse especial.
Mas Lénine não deixou apenas a sua obra. Foi e continua a ser um exemplo vivo de combatente pela causa da humanidade, pela libertação económica e portanto nacional, social e cultural do homem. A sua vida e o seu comportamento como personalidade humana contêm lições e exemplos úteis para todos os combatentes da libertação nacional. Entre essas lições, as que nos parecem ser da maior acuidade para os movimentos de libertação referem-se ao comportamento moral, à acção política, à estratégia e à prática revolucionárias.
No âmbito geral do movimento de libertação nacional, especialmente em condições como as nossas, o comportamento moral do combatente, em particular dos dirigentes, é um factor primordial que pode influenciar significativamente o êxito ou o fracasso do movimento. É evidente que a luta é essencialmente política, mas as circunstancias políticas, económicas e sociais — históricas — , em que se estrutura e desenvolve o movimento, conferem aos problemas de natureza moral uma particular importância, devido principalmente às fraquezas próprias do movimento nacional de libertação nas colónias, ao oportunismo ou às possibilidades de oportunismo que o caracterizam, às pressões e manhas utilizadas pelo inimigo imperialista, assim como à dificuldade, mesmo a impossibilidade de um controle do movimento e dos seus chefes pelas massas populares nacionalistas.
No movimento de libertação, como em qualquer outro empreendimento humano — e sejam quais forem os factores materiais e sociais que condicionem a sua evolução — , o homem (a sua mentalidade, o seu comportamento) é o elemento essencial e determinante.
Lénine foi um exemplo de coerência consigo mesmo e de coerência entre as palavras e os actos. Soube, através de toda a evolução característica da sua personalidade, permanecer igual a si mesmo na verticalidade das suas opções e dos seus actos. Estes sempre corresponderam às suas palavras, pois soube rejeitar o verbalismo fácil, a adulação e a demagogia.
Lénine foi um exemplo de honestidade, de probidade, de sinceridade e de coragem. Sempre colocou acima de todas as suas conveniências a necessidade de observar rigorosamente os deveres da moral e da justiça, recusar a mentira e praticar a verdade, sejam quais forem as consequências ou os problemas que possa criar.
Como um ser humano integral, soube amar e odiar. Amar a causa da libertação do homem de qualquer espécie de opressão, a aventura maravilhosa que é a vida humana, tudo o que há de belo e construtivo no planeta. Odiar os inimigos do progresso e da felicidade do homem, o inimigo de classe, os oportunistas, a cobardia, a mentira, todos os factores de aviltamento da consciência social e moral do homem. Sempre considerou o homem como o valor supremo do Universo. A sua dedicação às crianças tornou-se lendária pois, para ele, esses seres delicados e tantas vezes incompreendidos, vítimas inocentes da exploração do homem pelo homem, são as flores da humanidade, a esperança e a certeza do triunfo de uma vida de justiça.
A luta de libertação nacional é, como já dissemos, uma luta política que pode revestir diversas formas, de acordo com as circunstâncias específicas em que se desenvolve. No nosso caso concreto, esgotámos todos os meios pacíficos ao nosso alcance para levar os colonialistas portugueses a uma modificação radical da sua política no sentido da libertação e do progresso do nosso povo. Só encontrámos repressão e crimes. Decidimos então pegar em armas para nos batermos contra a tentativa de genocídio do nosso povo, decidido a ser livre e senhor do seu próprio destino.
O facto de travarmos uma luta armada de libertação em nada modifica o carácter essencialmente político do nosso combate. Pelo contrário, acentua-o. Ora, não há, não pode haver acção política, seja qual for a sua forma, sem princípios bem definidos, quer sejam bons ou maus.
No plano político, Lénine foi um exemplo de fidelidade aos princípios. Soube fazer concessões sobre a forma de reivindicações, de acções, mas nunca sobre os princípios, principalmente quando se tratava de defender os interesses da classe e da nação que representava, assim como na prática consequente de um internacionalismo desprovido de reservas, de timidez ou de condicionalismos.
É igualmente uma lição de realismo, de noção clara da possibilidade e da oportunidade política, que encontra a sua expressão máxima na decisão de desencadear a insurreição de Outubro de 1917, apesar das enormes dificuldades para vencer as hesitações e as oposições mais ou menos fundamentadas. Uma lição de firmeza na via determinada para conduzir a acção política, ilustrada pelo combate sem tréguas que moveu a todos os desvios «de direita» ou «de esquerda» e que tantos inimigos lhe criou.
Ultrapassando a concepção vulgar, segundo a qual a política é a arte do possível, Lénine demonstrou que é antes a arte de transformar o que é aparentemente impossível em possível (tornar possível o impossível), rejeitando categoricamente o oportunismo. Assim definida, a acção política implica uma criatividade permanente. Para ela, como para a arte, criar não é inventar.
A acção de Lénine é caracterizada por uma grande flexibilidade construtiva. Em cada problema, em cada facto da luta, mesmo no mais negativo, soube discernir o lado positivo para dele extrair todas as vantagens e fazer avançar a luta. Nesse âmbito, como noutros, demonstrou uma perseverança a toda a prova.
Ele, que considerava que «os factos são teimosos», era teimoso como os factos. Confiando na opinião dos outros, apesar disso, certo de que todo o combatente tem necessidade dos outros, sempre soube mudar de opinião quando a razão — a verdade científica — não estava do seu lado.
Crítico rigoroso, mesmo violento, tanto dos seus adversários como dos seus companheiros de luta caídos em erro, Lénine soube praticar exemplarmente a autocrítica. Sabia reconhecer os seus erros e elogiar o valor dos outros, mesmo dos seus mais ferozes adversários; mas soube usar de uma severidade sem limites para atacar os que considerava como inimigos de classe e da revolução.
Lénine sempre demonstrou uma confiança sem limites na capacidade das massas, mas soube no entanto demonstrar claramente que estas nunca deviam agir com anarquia, sem um plano bem concebido, correspondendo às possibilidades concretas de acção. Para ele, as massas nunca devem ser acéfalas.
No âmbito geral do movimento de libertação nacional, tal como em qualquer confrontação, pacífica ou não, há a necessidade vital de descobrir as leis gerais da luta e agir com base num plano geral concebido e elaborado a partir da realidade concreta do meio e dos factores em presença. Isto quer dizer que qualquer movimento de libertação necessita de uma estratégia.
Na elaboração dessa estratégia é preciso ser capaz de distinguir o essencial do secundário, o permanente do temporário. Sem nunca confundir estratégia e táctica, a acção deve basear-se numa concepção científica da realidade, seja qual for a influência dos factores subjectivos que é necessário enfrentar.
Também nesse plano Lénine deu uma lição muito útil aos movimentos de libertação, aos combatentes da liberdade. Tinha uma nítida consciência do valor da unidade como meio necessário para a luta, mas não como um fim em si. Para Lénine, não se trata de unir todos em torno da mesma causa, por mais justa que ela seja, de realizar a unidade absoluta, de unir-se não importa com quem. A unidade, como qualquer outra realidade, está sujeita às transformações quantitativas, positivas ou negativas. A questão é descobrir qual é o grau de unidade suficiente que pode permitir o desencadear e garantir o avanço vitorioso da luta. E, posteriormente, preservar essa unidade contra todos os factores de dissolução ou divisão, tanto internos como externos.
Por outro lado, Lénine tinha uma consciência profunda da necessidade de conhecer o melhor possível, na luta, as forças e as fraquezas do inimigo, tal como as nossas próprias forças e fraquezas. A concepção leninista da estratégia implica que devemos agir no sentido de aumentar as fraquezas do inimigo e transformar as suas forças em fraquezas e, simultaneamente, preservar e reforçar as nossas forças e eliminar as nossas fraquezas ou transformá-las em forças. Isto é possível pela aliança permanente e dinâmica entre a teoria e a prática.
A vida de Lénine é a aplicação consequente desta máxima dialéctica de Paul Langevin: o pensamento deriva da acção e, no homem consciente, deve regressar à acção. Isso implica que, como Lénine demonstrou através de toda a sua vida, a acção deve basear-se na análise concreta de cada situação concreta. De acordo com Lénine, tanto na luta como em qualquer outro fenómeno em movimento, as transformações qualitativas só se operam a partir de determinado nível de modificações quantitativas, o que significa que o processo da luta evolui por etapas, por fases bem definidas. Nessa base e nesta perspectiva devem ser estabelecidas as tácticas a seguir, que são incompatíveis mesmo com os recuos que, em determinados momentos, podem ser o único meio de fazer progredir a luta.
Qualquer luta é experiência nova, seja qual for a soma de conhecimentos teóricos ou de experiências práticas que lhe dizem respeito. Qualquer luta implica, portanto, um determinado grau de empirismo, mas não é necessário inventar o que já o foi: é sim preciso criar nas condições concretas em que a luta se trava.
Ainda neste ponto a lição de Lénine é pertinente: ele detestava tanto o empirismo cego como os dogmas. A assimilação crítica (dos conhecimentos ou das experiências dos outros) é tão válida para a vida como para a luta. O pensamento dos outros, filosófico ou científico — por mais lúcido que seja — , é apenas uma base que permite pensar e agir, portanto, criar. Para criar na luta é necessário conduzi-la, desenvolver todos os esforços e aceitar os sacrifícios necessários. A luta não é feita de palavras mas de acção quotidiana, organizada e disciplinada, de todos os elementos válidos. A actividade múltipla desenvolvida por Lénine no decurso de uma longa luta é um exemplo de continuidade e consequência, de esforços e sacrifícios, assim como da capacidade para mobilizar as forças necessárias no tempo e no espaço necessários.
Demonstrando que, numa luta, as dificuldades subjectivas são as mais difíceis de ultrapassar, Lénine tinha consciência desta realidade: a luta é feita de êxitos e fracassos, de vitórias e derrotas, mas avança sempre e as suas fases, mesmo as mais idênticas, nunca se repetem, pois a luta é um processo e não um acidente, uma corrida de fundo e não de velocidade: as derrotas eventuais não podem justificar nem a desmoralização nem a desistência, porque mesmo os insucessos podem ser uma base de partida para novos êxitos.
Essa ultrapassagem só é possível se extrairmos uma lição de cada erro, de cada experiência positiva ou negativa e partindo do princípio de que, se é certo que a teoria sem prática é uma perda de tempo, não há prática consequente sem teoria.
Principal artífice da grande Revolução de Outubro, que modificou o destino não apenas do povo russo mas da humanidade; criador do primeiro Estado socialista; dirigente supremo da Revolução nas antigas colónias tsaristas; teórico e prático conhecedor na solução do delicado problema que representava a questão nacional no país dos sovietes; militante catalisador do movimento operário internacional — Lénine marcou o século e o futuro do homem com a sua personalidade de revolucionário, legando às gerações que lhe sucederam uma obra tão singular como cheia de lições. Para os movimentos de libertação, Lénine forneceu mais esta valiosa contribuição: demonstrou, definitivamente, que os povos oprimidos podem libertar-se e ultrapassar todos os obstáculos para a construção de uma vida de justiça, de dignidade e de progresso.
É desejável que, independentemente das suas tendências ou opções políticas, os autênticos movimentos de libertação possam beber nas lições e no exemplo de Lénine a inspiração necessária para o seu pensamento, para a sua acção e para o comportamento moral e intelectual dos seus dirigentes. No interesse geral da luta contra o imperialismo e se tivermos em consideração algumas contradições que caracterizam as actuais relações entre as outras forças anti-imperialistas e mesmo alguns aspectos da sua acção, não seria justo nem, talvez, objectivo limitar esse desejo unicamente aos movimentos de libertação.
Acontece hoje com a doutrina de Lénine o que já se verificou mais de uma vez na história com as doutrinas dos pensadores revolucionários e dos chefes de classes ou nações oprimidas em luta pela sua libertação. Durante a vida dos grandes revolucionários, as classes opressoras recompensam-nos com incessantes perseguições: acolhem as suas doutrinas com um furor selvagem, com um ódio tenaz, com as mais intensas campanhas de mentiras e calúnias. Depois da sua morte, tentam fazer deles ícones inofensivos, canonizam-nos, por assim dizer, rodeando o seu nome com uma certa auréola a fim de «consolidar» as classes ou as nações oprimidas e de as mistificar; fazendo-o, esvaziam a doutrina revolucionária do seu conteúdo, depreciam-na e destroem-lhe a força revolucionária.
É nessa forma de «arranjar» o leninismo que hoje coincidem a burguesia e os oportunistas, tanto do movimento operário como do movimento de libertação nacional. Esquecem, amordaçam, alteram o lado revolucionário da doutrina, a sua alma revolucionária. Colocam em primeiro plano e exaltam o que é ou parece ser aceitável, mesmo conveniente, para a burguesia e para o imperialismo.
O leitor deve já ter notado que o que acaba de ler é a paráfrase de parte de uma lapidar afirmação de Lénine referente a Marx. Modificámos os nomes e adaptámos o discurso à realidade essencial da história dos nossos dias: a luta de vida ou de morte contra o imperialismo. Temos de admitir que o discurso se adapta perfeitamente ao próprio Lénine, em especial quando consideramos o que ele escreveu sobre o imperialismo e a luta contra o domínio imperialista.
Sem ter a pretensão ou a audácia de querer restabelecer a doutrina de Lénine acerca do movimento de libertação nacional, gostaríamos, no entanto, de evocar determinados aspectos que nos parecem importantes — , principalmente para os que lutam pela libertação e o progresso dos seus povos.
Lénine demonstrou de forma muito clara que o movimento de libertação nacional, que adquiriu força desde o começo do século não é um facto novo na história. Em todos os continentes, em épocas mais ou menos recuadas, houve, não apenas luta de libertação tribal ou étnica mas também movimento de luta de libertação nacional. Os povos da antiga Indochina e de outras regiões da Ásia; do México, da Bolívia e de outros países do continente americano; da Grécia, dos Balcãs em geral, mesmo de Portugal, na Europa; do Egipto, da África Oriental e da África Ocidental — para só citar estes — tiveram, no passado, a sua experiência de luta de libertação nacional.
Esses movimentos sofreram vitórias ou derrotas, mas existiram e deixaram vestígios indeléveis nos povos que afectaram, no âmbito das coordenadas históricas das sociedades em questão, numa determinada etapa da evolução económica e política da humanidade.
Não há no entanto lugar para confusões. Lénine demonstrou que o império romano, por exemplo, não é a mesma realidade histórica que o império britânico, embora ambos tenham em comum o que parece ser, até agora, uma necessidade ou uma constante nas relações entre as sociedades humanas: a tentativa ou o êxito do domínio político e da exploração económica de certos povos ou nações por Estados estrangeiros ou, o que vem a dar no mesmo, por classes dirigentes estrangeiras.
É evidente que Carlos Magno não foi nem podia ser César ou Átila, mas é ainda mais evidente que qualquer chefe de Estado imperialista não é, nem poder ser, o Gana do império africano que tem o seu nome, nem um imperador da família dos Ming, nem um Cortez, conquistador das Américas, nem o tsar das Rússias. Da mesma maneira e pelas mesmas razões, os bancos e os monopólios imperialistas não são as antigas associações dos comerciantes de Veneza ou a Liga Hanseática.
Lénine demonstrou que a luta de libertação contra o domínio de uma aristocracia militar (tribal ou étnica), contra o domínio feudal e mesmo contra o domínio capitalista estrangeiro do tempo do capitalismo de livre concorrência não é a mesma realidade histórica que a luta de libertação nacional contra o imperialismo, contra o domínio económico e político dos monopólios, do capitalismo financeiro, actuando sob a forma do colonialismo, do neocolonialismo. Tomou-se e deve ser evidente para todos hoje que o aparecimento do imperialismo operou uma transformação profunda e irreversível no movimento de libertação nacional, definindo-se este como a resistência natural e necessária ao domínio imperialista.
Definindo as características internas e externas do imperialismo — estado supremo do capitalismo, resultado da concentração do capital financeiro em algumas empresas de uma meia dúzia de países, domínio insaciável dos monopólios — , Lénine caracterizou simultaneamente as transformações irreversíveis operadas no conteúdo e na forma do movimento de libertação nacional, do qual previu, cientificamente, a linha geral de evolução.
Cabe a Lénine o mérito de ter revelado, e mesmo previsto, as realidades essenciais da luta dos nossos dias, pois foi até ao fundo na análise do facto imperialista e da luta geral contra o imperialismo.
Na sua crítica genial, Lénine esclareceu o carácter essencialmente económico do imperialismo, estudou as suas características internas e externas e as suas implicações económicas, políticas e sociais, tanto dentro como fora do mundo capitalista. Pôs em relevo as forças e as fraquezas dessa nova realidade que é o imperialismo (quase da sua idade), que abriu novas perspectivas à evolução da humanidade.
Situando geograficamente o fenómeno imperialista no interior de uma parte bem definida do mundo; distinguindo o factor económico das suas implicações políticas ou político-sociais, sem esquecer as relações de dependência dinâmica entre esses dois aspectos de um mesmo fenómeno; e caracterizando as relações do imperialismo com o resto do mundo, Lénine situou objectivamente tanto o imperialismo como a luta de libertação nacional nas suas verdadeiras coordenadas históricas. Estabeleceu assim, de forma definitiva, a diferença e as ligações fundamentais entre o imperialismo e o domínio imperialista.
A análise de Lénine revela-se desta forma como um encorajamento realista e uma arma poderosa para o desenvolvimento ulterior e multilateral do movimento nacional libertador. É necessário, no entanto, notar que esta análise vai ainda mais longe na contribuição que fornece à evolução desse mesmo movimento.
Com efeito, se podemos dizer que Marx, principalmente na sua obra principal — O Capital — , procedeu à anatomia ou à anatomia patológica do capitalismo, a obra de Lénine referente ao imperialismo pode ser considerada como a pré-autópsia do capitalismo moribundo. Não é exagerado afirmar que, para ele, a partir do momento em que o domínio económico e político do capital financeiro (os monopólios) se consolidou em alguns países e se concretizou no exterior desses países pelo movimento de partilha do mundo, especialmente em África, com o monopólio das colónias—o capitalismo, tal como se definira anteriormente, transformou-se num corpo em putrefacção.
Um estudo, mesmo superficial, da história económica contemporânea dos principais países capitalistas (talvez mesmo dos menos importantes), revela que a luta tenaz entre o capital financeiro (representado pelos monopólios e os bancos) e o capital de livre concorrência se salda geralmente pela vitória do primeiro, isto é, do imperialismo.
Temos pois de verificar que Lénine tinha razão: o capitalismo criou o imperialismo e criou simultaneamente os elementos propícios à sua destruição. O imperialismo matou e continua a matar o capitalismo. Com efeito, as transformações profundas realizadas nas relações de forças no âmbito da livre concorrência levaram aos monopólios, à acumulação gigantesca do capital financeiro privado no interior de certos países e, como consequência disso, ao domínio político destes pelos monopólios, o que os transformou em países imperialistas. Esta nova situação está na origem de uma confrontação permanente, aberta ou não, «pacífica» ou não, entre os países imperialistas que procuram novos equilíbrios na relação de forças, em função do grau relativo de desenvolvimento das forças produtivas e da necessidade crescente tanto de obter matérias-primas como de conquistar mercados, isto é, da realização insaciável de mais-valia ou de rendimento para o capital financeiro.
Com base numa análise tão lúcida e realista, era normal que Lénine extraísse conclusões importantes para o desenvolvimento ulterior da luta contra o imperialismo.
Entre essas conclusões, estas parecem-nos extremamente ricas em consequências:
- A acumulação desenfreada do capital financeiro e a vitória dos monopólios como fase última da apropriação privada dos meios de produção—com o agravamento da contradição entre essa apropriação e o carácter social do trabalho produtivo—criaram as condições propícias à revolução, que progressivamente acabará com o regime capitalista, actualmente representado pelo imperialismo.
- É possível, necessário e urgente fazer a revolução, se não em vários países, pelo menos num, principalmente no momento em que a agressividade característica do imperialismo se manifesta numa guerra entre os países capitalistas para uma nova partilha do mundo (Primeira Guerra Mundial).
- A criação de um Estado socialista desferirá um golpe decisivo no imperialismo e abrirá novas perspectivas ao desenvolvimento do movimento operário internacional e do movimento de libertação nacional.
- É possível uma nova confrontação armada entre os Estados imperialistas-capitalistas, pois a hipótese do ultra-imperialismo ou superimperialismo, que resolveria as contradições entre os Estados imperialistas «é tão utópica como a da ultra-agricultura». Essa confrontação enfraquecerá inevitavelmente o imperialismo (Segunda Guerra Mundial). Criar-se-ão assim condições mais favoráveis para o desenvolvimento das forças cujo destino histórico é destruir o imperialismo: instalação do poder socialista em novos países, reforço do movimento operário internacional e do movimento de libertação nacional.
- Os povos oprimidos da África, da Ásia e da América Latina são necessariamente chamados a desempenhar um papel decisivo na luta pela liquidação do sistema imperialista mundial, de que são as principais vítimas.
Estas conclusões de Lénine, explícita ou implicitamente contidas na sua obra consagrada ao imperialismo e confirmadas pelos actos da história contemporânea, são mais uma notável contribuição para o pensamento e para a acção do movimento de libertação.
Sendo marxista ou não, leninista ou não, é difícil a alguém não reconhecer a validade, mesmo o carácter genial da análise e das conclusões de Lénine, que se revelam de um alcance histórico imenso, iluminando com uma claridade fecunda o caminho quantas vezes espinhoso e mesmo sombrio dos povos que se batem pela sua libertação total do domínio imperialista.