Publicação original: anabarradas.com

Acção Comunista em Tempo de Maré Baixa (1991)

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Francisco Martins Rodrigues (1926-2008) was a Portuguese communist. Here he reflects on various lessons from his lifetime of revolutionary experience (including a daring prison break!), and delivers advice relating to organizational discipline and communist self-esteem. [1]


Como podem os comunistas conseguir que o movimento diário das massas pelas suas reivindicações imediatas acumule forças revolucionárias, mesmo neste período de triunfo em toda a linha da burguesia? Esta é uma questão central para os comunistas portugueses, escaldados por sucessivas infiltrações do reformismo, sempre em nome das melhores intenções marxistas.

Acumulação de forças revolucionárias é coisa praticamente desconhecida em Portugal. O que temos são muitos exemplos de como se desacumulam forças:

  • à frente de todos, claro, o PCP, fiel ao seu trabalho minucioso junto do proletariado, nas empresas e nos sindicatos, agitando a bandeira da “defesa das conquistas”, mas conduzindo as massas de derrota em derrota, devido ao seu respeito supersticioso pelo parlamento e pela ordem burguesa;
  • depois, a “nova esquerda” agrupada no Bloco, exibindo as suas causas alternativas (“ampliar a cidadania”, “aprofundar a democracia”), que, na prática, apenas dão voz ao descontentamento da jovem pequena burguesia, em busca de um lugar ao sol;
  • tivemos também a aposta das FP-25 nas acções de guerrilha urbana como meio de “excitar” o movimento popular em declínio, o que as levou ao previsível naufrágio e ao descrédito da via revolucionária;
  • e há ainda muitos simpatizantes da revolução, enojados com o panorama reinante de colaboração de classes, para os quais todas as reivindicações imediatas, parcelares, são indignas de qualquer esforço, pelo que se entregam à inacção declamatória ultra-esquerdista.

Nesse caso, o que se deve fazer?

Os comunistas, claro, não têm que inventar lutas especiais. Temos que estar presentes nas lutas reais, por pequenas e limitadas que sejam nos seus objectivos: contra o desemprego, o trabalho precário, o agravamento constante das condições de saúde, habitação, ensino, a sobreexploração e opressão da mulher; nos movimentos contra a impunidade dos capitalistas e a onda mafiosa e corrupta que é hoje a política burguesa; nos protestos contra as expedições militares imperialistas e a montagem do Estado policial…

Sabemos que a revolução só se constrói a partir do movimento real e não a partir de modelos por nós inventados. Fora das situações excepcionais de crise revolucionária, as massas lançam-se na luta para obter pequenas melhorias dentro dos limites da lei e da ordem; só participando nessas lutas podem os comunistas ajudar os colectivos de trabalhadores a percorrer a sua própria experiência, tomar consciência do antagonismo dos seus interesses face aos da burguesia, criar hábitos de organização, ganhar confiança nas suas próprias forças.

O que falhou então no trabalho passado dos comunistas? Porque se dissolveram as suas intenções revolucionárias iniciais na prática da luta diária, até acabarem por se transformar em reformistas? Vejo, pelo menos, quatro causas para isso.

Primeira, a concentração preferencial dos esforços, não nas camadas proletárias onde é maior a carga de antagonismo com a sociedade estabelecida, mas nos sectores semiproletários e pequeno-burgueses, mais instruídos, com maiores hábitos de organização, onde é mais fácil conseguir resultados, mas onde, em contrapartida, tudo vai no sentido do reformismo.

Segunda: a tradição muito enraizada no nosso país de que o trabalho proletário se resume às reivindicações económicas e que entrega à pequena burguesia progressista a direcção da luta política. É tempo de compreendermos que a mobilização comunista do proletariado envolve também a luta anti-imperialista, a solidariedade com os imigrantes e o combate ao chauvinismo, a luta para libertar a mulher trabalhadora da sua dupla subjugação, os contactos internacionais, a propaganda anticapitalista, etc.

Terceira: na utilização dos sindicatos, comissões de empresa, associações diversas, esqueceu-se muitas vezes a contradição entre o interesse das bases e a prática do aparelho burocrático, que tende a conciliar com o poder e a ver as acções radicais das massas como um perigo. Foi assim que muitos comunistas que foram para essas organizações com a intenção de “servir o povo” se fizeram reformistas empedernidos.

Quarta: a cedência à miragem de conseguir pelo parlamento a visibilidade e peso político que não se consegue no duro trabalho de mobilização directa das massas. Foi assim que, à medida que a ofensiva da direita destruía as conquistas populares de 74-75, os revolucionários da época transferiram o eixo da sua actividade, do apoio aos sectores mais avançados e aos seus órgãos (comités de greve e ocupação, comissões de trabalhadores, de moradores, cooperativas agrícolas, etc.), para a “batalha parlamentar”. Claro que a participação nas eleições pode ser necessária, mas numa condição: termos a certeza de que vamos utilizar as instituições burguesas e não deixar-nos utilizar por elas.

Em resumo, o trabalho comunista entre as massas requer muito esforço e brilha pouco. Temos que nos compenetrar de que, num período de marasmo da luta de classes como o que atravessamos, a autenticidade dos comunistas mede-se pela sua capacidade para evitar a tentação de ser reconhecidos pelos media, ganhar estatuto de “partido responsável”, etc. Não nos deve impressionar a acusação de “sectarismo” que os reformistas nos lançam, nem a impaciência dos militantes que não se resignam a um trabalho apagado e querem resultados palpáveis em pouco tempo. A defesa do interesse profundo das massas significa hoje um certo grau de isolamento, acarreta incompreensões, perseguições dos poderes “democráticos”, etc., mas só persistindo nesse rumo poderemos desempenhar o nosso papel numa futura crise revolucionária.

O partido comunista, corpo estranho na sociedade burguesa que pretende derrocar, sofre uma tremenda pressão da parte desta para ser digerido e destruído: pressão policial e militar quando necessário, mas também política e ideológica, na actividade legal de todos os dias. Pressão que provém não apenas do aparelho de poder burguês mas também das camadas pequeno-burguesas contíguas ao proletariado e das flutuações no seio do próprio proletariado, hoje em grande medida desarticulado e desmoralizado pelas derrotas que tem sofrido.

O que está em jogo, no difícil período actual, é manter fidelidade aos interesses gerais e a longo prazo da classe, não se deixando ir atrás de êxitos conjunturais, pagos com a absorção pelo sistema. Cabe-nos criar na classe baluartes avançados em volta dos quais se possa fixar a resistência dos mais revoltados. Quanto ao encontro do partido comunista com as massas de milhões, esse só será possível na hora da crise revolucionária, quando as massas, chegadas ao extremo, recusam a ordem burguesa e vão ao encontro das propostas dos comunistas. Essa hora poderá estar distante, mas só ela deve servir de norte à nossa acção hoje.


[1] You can read about the prison break, known as the Peniche Fortress Escape of 1960, which involved Álvaro Cunhal and others, in Carlos Luís M. C. da Cruz’s article “Fortress of Peniche” (2013): “They descended to the outside also with the help of a rope made of sheets.” [web]