Roderic Day
Tradução: Igor Ulbrich
Edição: Nia Frome

Fascismo Realmente Existente (2021)

86 minutos | English Galego Ελληνική Italiano Português | Fascism & Colonialism The Crew

Índice

Introdução

A categoria de “Socialismo Realmente Existente” é comumente evocada, tanto por proponentes quanto por detratores, em conversas sobre discrepâncias entre teoria revolucionária e prática revolucionária. A ideia geral é que estadistas revolucionários — digamos, Stalin — falharam em alguns aspectos importantes quando comparados aos ideais imponentes de teoristas revolucionários — nomeadamente, Marx. Essas deficiências operacionais podem ser entendidas em termos das exigências inerentes em colocar qualquer ideal científico abstrato em prática de engenharia material, ou elas podem ser entendidas em termos de traições e intriga. De qualquer forma, a diferença é largamente reconhecida; todos nós já ouvimos o clichê de que “o comunismo funciona no papel, mas não na prática”.

Outra tendência comum em discussões do socialismo é conceitualizá-lo como uma de três ideologias que formam uma tríade do século XX: liberalismo, socialismo e fascismo. Nesse modelo espacial, socialismo e fascismo são “extremos totalitários” que levaram à tragédia e ruína, enquanto que liberalismo é o “centro moderado” que prevaleceu devido a um comprometimento ao pragmatismo não-ideológico e ao pluralismo intelectual saudável.

Há muito que poderíamos questionar ou contestar sobre essas premissas — alguns insistiriam que comunismo é o movimento revolucionário em sua realidade e não um ideal abstrato, alguns rejeitariam o modelo triádico (como eu irei, neste ensaio) — mas o que acontece se admiti-los, provisoriamente? A categoria de “Fascismo Realmente Existente” surge como uma questão de simetria, e levanta algumas questões interessantes.

O fascismo teve um ideal convincente, tão inquestionável à maioria das pessoas como a utopia igualitária é “no papel”? Quem é o equivalente fascista de Karl Marx? Alguém há pouco descobrindo o fascismo poderia pensar em Adolf Hitler ou Benito Mussolini como seus primeiros intelectuais. Alguém que realizou mais leituras no assunto poderia apontar para o jurista nazista Carl Schmitt, o filósofo nazista Martin Heidegger ou o autodeclarado “ultrafascista” italiano Julius Evola. Porém, eu acho que nenhum deles se encaixa exatamente no perfil. Alguns foram realmente estadistas, o que não permite o tipo de decepção que eu quero explorar, e, mais concretamente, nenhum deles chega perto de igualar a influência penetrante de Marx. Boa simetria requer uma figura imponente, um escritor prolífico e talentoso com obras de importância histórica e cultural inquestionáveis, cuja participação real nos movimentos que inspirou seja indireta o suficiente que seus defensores possam tentar absolvê-lo dos crimes desses movimentos.

Eu não sou o primeiro a argumentar que Friedrich Nietzsche cumpre esse papel. Como colocado por Geoff Waite, a de Nietzsche é “a única posição além do comunismo”, a única objeção intelectual séria a tal utopia. Sabe-se que soldados alemães carregavam Zaratustra como parte de seu kit militar na primeira Guerra Mundial, e mais tarde Nazistas abraçaram abertamente a “vontade de poder” de Nietzsche como um ethos. Isso costuma ser arrogantemente descartado como uma apropriação errônea, atribuída à intervenção nefasta da irmã de Nietzsche, mas se concordamos com isso ou não, não importa tanto para o argumento que pretendo fazer.

O que me interessa é o fato de que Nietzsche é, aos olhos de intelectuais do Atlântico Norte e da Europa, um pensador brilhante demais, útil e influente demais, querido demais à tradição europeia como um todo, para ser condenado como um fascista, certamente não como o fascista primordial.

Que papel seria esse? Marx não se viu, e não é visto por comunistas, como o inventor do comunismo. O Manifesto Comunista é bem claro:

As conclusões teóricas dos comunistas não são de qualquer forma baseadas em ideias ou princípios que foram inventados ou descobertos por este ou aquele pretenso reformador universal.

Elas meramente expressam, em termos gerais, relações reais emanentes de uma luta de classes existente, de um movimento histórico acontecendo sob os nossos próprios olhos. [1]

E esse sentimento é compartilhado de forma inequívoca por autores pan-africanos como Kwame Ture:

É uma verdade universal. O melhor que podemos lhe dar é um observador astuto. Porque qualquer homem, qualquer mulher — se estou sentado no deserto da Líbia, no norte da África, olhando para a relação entre capital e trabalho, eu chegarei à exata mesma conclusão que Karl Marx: que onde quer que o capital tente dominar o trabalho, haverá uma impiedosa luta contra o capital, pelo trabalho, até que o trabalho venha a esmagar o capital, e a dominá-lo. [2]

Em vez de um evangelista profético de uma doutrina grandiosa e original, Marx é melhor compreendido como o pensador belicoso que, no meio de argumentos acalorados entre socialistas, prevaleceu sobre outros porque ele conseguiu fornecer ao movimento revolucionário crescente uma avaliação realista da enormidade de sua própria tarefa. Marx (e Engels!) sintetizaram uma tendência existente e ideias existentes com claridade e portabilidade sem precedentes, e por dá-las tal definição as auxiliou na sua propagação. Uma vez que compreendemos isso, Nietzsche também não precisa ser visto como o criador; ele certamente não foi o arquiteto de um programa fascista elaborado. Ele foi, entretanto, um intelectual firmemente reacionário cujo projeto de vida foi oposição ao que chamamos de justiça social, às aspirações emancipatórias daqueles que ele chamou de ralé. Nietzsche foi adepto a apresentar sentimentos radicalmente anti-igualitários com uma dose carregada de talento artístico, obscurantismo e desorientação, deste modo pavimentando o caminho para muito mais pessoas abraçarem orgulhosamente a reação do que teriam caso contrário.

Entretanto, este ensaio não é primariamente sobre Nietzsche. É um ensaio sobre fascismo. A figura de Nietzsche é útil tanto quanto nos ajuda a entender por quê o fascismo é um fenômeno familiar — e até largamente atraente. Através do conceito de “Fascismo Realmente Existente” eu espero ampliar o nosso entendimento de fascismo para que ele não seja confinado a uma época específica — aparecendo e desaparecendo com os poderes do Eixo, ressurgindo com Bush ou Trump, um fenômeno relacionado apenas ao “capitalismo em decadência” — mas ao invés disso compreendido como um modo de operação sempre presente, complementário e necessário da democracia liberal “pluralística” e “não-violenta”. Nesta visão, o fascismo está claramente em ação muito antes de Mussolini fundar o primeiro partido oficialmente fascista. O capitalismo não antecede o fascismo, e o fascismo nunca foi suprimido, e nem pode ser suprimido enquanto o capitalismo perdurar.

Para fazer este argumento (que eu entendo que possa ser controverso), eu emprestarei de escritores que recontextualizaram efetivamente a integridade da história europeia moderna, entrelaçar suas ideias com minha própria teorização, e espero não perder todo leitor pelo caminho.

A Pré-história do Capital e os Aspectos Duais do Capitalismo

Em 2017, William Clare Roberts, um marxista acadêmico anglo-americano, publicou um artigo que a primeira vista parece ser de interesse apenas a especialistas do nicho. O ensaio foca na questão do que exatamente Marx entendeu pelo conceito de “acumulação primitiva”. A maioria das pessoas toma esse termo para se referir aos crimes violentos que os capitalistas cometeram para conseguir o dinheiro inicial para dar o pontapé inicial no processo de acumulação: deslocamento forçado, roubo, escravidão e genocídio. Implícito nessa frase é a ideia de que a acumulação primitiva acabou — foi um fenômeno anterior ao capitalismo, ela certamente levou ao capitalismo, mas ela forma parte da pré-história do capitalismo. O capitalismo, comparado à acumulação primitiva, é relativamente pacífico: é uma forma “civilizada” de roubo em que o capitalista expropria a mais-valia de seus empregados através de exploração relativamente exangue. O trabalhador “escolhe livremente” trabalhar 8 horas por dia, e concorda em levar para casa a riqueza correspondente apenas a uma fração de tal. Por quê? Porque os capitalistas compraram todos os meios de produção, então os trabalhadores devem trabalhar para eles em seus termos, ou de alguma forma “iniciar um negócio” e integrar as fileiras dos exploradores.

O que Roberts faz é muito interessante: prestando bastante atenção à escrita de Marx, ele faz um argumento convincente de que a “acumulação primitiva” de Marx nunca se referiu à pré-história do capitalismo (um modo de organização social) mas apenas à pré-história do capital (riqueza que se reproduz via exploração):

Marx pode afirmar — e o faz — que processos de acumulação primitiva são internos ao capitalismo. Não obstante, ele insiste que eles constituem a pré-história do capital porque, apesar da pilhagem, fraude e roubo poderem estocar riqueza que pode ser usada como capital, elas não podem fazer essa riqueza funcionar como capital. [3]

Dessa maneira, o capitalismo pode ser entendido como um modo de produção com (pelo menos) dois momentos, ou aspectos, operacionais simultâneos: expropriação violenta — necessária sempre que grandes fortunas ou trabalhadores desesperados sem propriedade estão faltando da equação — e o regime “não-violento” de exploração “voluntária” mais comumente associada com países capitalistas “avançados”. A acumulação primitiva nunca para: ao mesmo tempo que alguns na América vivem vidas contentes de classe média e outros milhões são explorados como trabalhadores contratados da Amazon, os Estados Unidos usam suas forças policiais para brutalizar comunidades negras rebeldes e suas forças militares para invadir nações que não integraram suficientemente seu sistema de mercado. O capitalismo se expressa como exploração voluntária no seu centro, e como expropriação involuntária em sua periferia (incluindo suas colônias internas).

Escrevendo do outro lado do globo, o teorista jurídico e político chinês Jiang Shigong dá o que acaba sendo um relato da gênese de impérios europeus e império mundial na forma inócua de um prefácio para uma história pop do império pelo historiador britânico John Darwin, Ascensão e Queda dos Impérios Globais. A visão de Jiang para a sociedade ocidental é decididamente e autoconscientemente a de um estrangeiro. O que o preocupa em seu ensaio A History of Empire Without Empire é a maneira que a “teoria da modernização se torna uma ferramenta ideológica a serviço do imperialismo ocidental e do neocolonialismo”, e particularmente a maneira em que, no relato de John Darwin,

O “Imperialismo” não é mais um fenômeno histórico particular do “estágio superior do capitalismo”, como Lenin teorizou, mas simplesmente um movimento expansivo de impérios ao longo da história humana. Essa “nova história imperial” efetivamente esteriliza críticas de esquerda ao “imperialismo” do século XIX em diante, e permite que Darwin escreva uma história do imperialismo europeu descarregada de culpa. [4]

Jiang Shigong vai contra a tendência de apagar diferenças importantes dentro da categoria de império para higienizar a expansão europeia e demonizar a soberania chinesa. Ele analisa meticulosamente a história da interação de impérios marítimos europeus com o resto do mundo, os contrasta com impérios antigos chineses e indianos, e rejeita o impulso de tratar “colonialismo” e “imperialismo” como sinônimos que descrevem ações de qualquer grande país:

Apesar dos dois conceitos serem usados alternadamente, o conceito de “colonialismo” é mais politicamente e até militarmente associado com a apropriação territorial imperial e conquista violenta. O desenvolvimento do capitalismo permitiu a extração de recursos econômicos através de comércio e investimento. Portanto, em contraste ao “império colonial” de conquista e pilhagem nua, o “imperialismo” é, na verdade, uma forma avançada (o estágio superior do capitalismo, por Lenin), uma redistribuição de riqueza econômica ativada por transações e investimentos comerciais aparentemente mutualmente benéficos, dominação imperial por meios mais encobertos e superficialmente civilizados.
[…]
O império formal do “colonialismo” e o império informal do “imperialismo” não devem ser vistos como dois estágios diferentes de desenvolvimento histórico, mas sim como duas maneiras diferentes de se construir impérios. [5]

Eu menciono essas obras brevemente por duas razões: primeiro, seu conteúdo em si — elas oferecem entendimentos históricos perspicazes, o que é relevante na medida em que prepara o argumento a seguir. Mais importante, porém, é que elas ilustram a noção mais abstrata de aspectos operacionais opostos porém unidos. Modos de produção devem ser entendidos não apenas em termos de uma lista determinada de características, mas também como motores adaptáveis e dinâmicos com diferentes expressões sob diferentes circunstâncias. O capitalismo tem, pelo menos, dois aspectos operacionais distintos em exploração e expropriação, e expansão imperial tem, pelo menos, dois aspectos operacionais em colonialismo e imperialismo.

Interlúdio: Hermenêutica

O que segue é primariamente uma história da ideologia, então devemos dizer algumas palavras sobre hermenêutica.

“Hermenêutica” é a teoria e método de interpretação de um texto. Quando examinamos qualquer obra, quase todos nós trazemos opiniões prévias do autor em questão, e exploramos como o texto as confirma ou as desafia. Talvez queiramos abordar uma obra que foi duramente criticada com o propósito de exonerar o autor, em tal caso estaríamos operando sob uma “hermenêutica da inocência”. Ou talvez o oposto: abordamos um texto celebrado muito cuidadosamente, procurando por pistas sugestivas, omissões conspícuas, tentando encontrar pontos em que o autor revelou sua mão e se expôs de uma maneira que confirma algo que sabemos sobre ele. Nesse caso estamos operando sob uma “hermenêutica da suspeita”.

Eu toco neste assunto porque é bom lembrar que temos a habilidade de escolher nosso método deliberadamente e conscientemente. Não precisamos nos iludir a fingir que estamos sendo “neutros” ou “objetivos” quando na realidade temos um objetivo. Abertamente perseguir um objetivo não invalida nossas conclusões automaticamente — anunciá-lo apenas torna mais fácil para outros identificar quais são nossos pontos cegos. Eu acolho quaisquer desafios a esta teoria do fascismo e suas premissas básicas. Qual o meu objetivo? Eu viso virar a narrativa de uma União Soviética genocida derrotada por um Ocidente liberal bem-intencionado totalmente de cabeça para baixo.

Agora, alguns leitores questionarão a relevância das declarações das figuras históricas citadas, seguindo uma “hermenêutica da suspeita” sob a qual toda afirmação feita por um socialista é uma manobra calcula para mascarar suas intenções sinistras, e uma “hermenêutica da inocência” sob a qual toda afirmação feita por uma celebrada figura ocidental foi gravemente mal interpretada ou de alguma maneira não reflete seus “verdadeiros valores”. Esta é uma abordagem tão justa quanto a minha, mas lembrem-se: é ainda uma escolha sendo feita.

Os Séculos XVIII e XIX: Liberalismo Clássico, Gênio, e Ciência Racial

A “Nova Era”, na qual reina a gênio, é assim distinta da velha era principalmente pelo fato de que o chicote imagina que possui gênio.
 — Friedrich Engels, 1850. [6]

Uma ideia central na obra-prima de Domenico Losurdo, Contra-História do Liberalismo, é que o liberalismo foi, desde o seu início, uma ideologia que visou justificar a escravidão. Hagiógrafos dos Pais Fundadores e da independência americana amam retratá-la como um triunfo dos “povos amantes da liberdade”. De acordo com essa história, a escravidão foi meramente uma imperfeição persistente, uma remanescência retrógrada justamente esmagada pela Guerra Civil ainda cedo na história da nação, e quaisquer subprodutos da escravidão que permaneceram não desafiam fundamentalmente a identificação do liberalismo e da democracia ocidental com a “liberdade” como tal. Losurdo argumenta, entretanto, que o liberalismo é melhor compreendido como uma ideologia produzida para satisfazer a necessidade sentida por capitalistas (empresários, empreendedores, etc.) para justificar sua revolta contra a monarquia enquanto simultaneamente justificam o colonialismo, o Destino Manifesto, o genocídio de povos indígenas, a escravidão e a supressão ativa de direitos trabalhistas. Um princípio central dessa ideologia capitalista era que aristocratas donos de terras eram governantes indignos, e que a sucessão hereditária estava sufocando o desenvolvimento econômico, mas que eles não eram de maneira alguma contra a existência de uma classe dominante; eles esperavam uma meritocracia que reconheceria a gênio como seu princípio dominante. E portanto, enquanto revoluções capitalistas detronavam o modo de produção feudal em favor do capitalismo e da ditadura da burguesia, doutrinas de direito divino em grande parte abriram caminho para um mito moderno mais adequado: a ciência racial.

As obras de eruditas liberais durante este período inicial fundamentam a tese de Losurdo.

John Adams, um dos Pais Fundadores dos Estados Unidos e seu presidente de 1797 a 1801, publicou o seguinte sob um pseudônimo em 1765:

Não seremos seus negros. A Providência nunca nos destinou como negros, eu sei, pois se tivesse teria nos dado peles negras, e lábios grossos, e narizes achatados, e cabelo curto lanoso, o que não fez, e portanto nunca nos pretendeu como escravos. Isso eu sei ser um silogismo tão bom quanto qualquer outro na universidade, eu digo que somos tão belos quanto o velho povo inglês, e portanto devemos ser tão livres. [7]

Alexis de Tocqueville, um filósofo francês que alcançou prestígio como um dos principais observadores e representantes da tradição liberal em defesa das revoluções americana e francesa, em 1833:

A raça europeia recebeu da Providência, ou adquiriu por seu próprio esforço, uma superioridade tão incontestável sobre todas as outras raças que compõem a grande família humana, que o indivíduo, posto entre nós, por seus vícios e sua ignorância, no mais baixo degrau da sociedade, é ainda o primeiro dentre os selvagens. [8]

Theodore Roosevelt Jr., que se tornaria presidente dos EUA de 1901 a 1909, disse em 1886:

Eu não iria tão longe a ponto de dizer que o único índio bom é o índio morto, porém eu acredito que nove de cada dez o são, e eu não gostaria de investigar muito de perto o caso do décimo. O caubói mais perverso tem maior princípio moral do que o índio médio. Tome trezentas famílias pobres de Nova Iorque e Nova Jérsia, sustente-as, por cinquenta anos, em ociosidade imoral, e você terá alguma ideia do que são os índios. Imprudentes, vingativos, diabolicamente cruéis. [9]

Winston Churchill, que se tornaria o primeiro-ministro do Reino Unido durante os períodos de 1940-45 e 1951-55, disse em 1902:

Eu acho que teremos que tomar em mãos os chineses e regulá-los. Eu acredito que conforme as nações civilizadas se tornam mais poderosas elas se tornarão mais impiedosas, e o tempo chegará em que o mundo impacientemente carregará a existência das grandes nações bárbaras que podem a qualquer momento se armar e ameaçar as nações civilizadas. Eu acredito na partição completa da China — e quero dizer completa. Espero que não tenhamos que fazê-lo em nossos tempos. A linhagem ariana está fadada a triunfar. [10]

Como podemos ver, impulsos que reconhecemos como fascistas hoje — violência genocida e supremacia racial — eram perfeitamente comuns, sustentadas por legisladores altamente influentes na era tradicionalmente pensada como pré-fascista — a idealizada era de ouro do capitalismo competitivo e empreendedor. Contrariamente ao mito liberal de pluralismo político ilimitado, nenhum desafio doméstico nos EUA, no Reino Unido ou na França chegou sequer à altura de ser um empecilho real à violência genocida da acumulação primitiva.

Agora, assassinato e roubo são uma questão de violência nua, porém a desumanização é o produto de toda uma superestrutura de desculpas jurídicas, psicológicas e pseudocientíficas construídas para justificar tal violência. Os povos aborígenes habitaram a terra que conhecemos hoje como Austrália por mais de 50 mil anos contínuos, mas a jurisprudência europeia não teve problema em declará-la como terra nullius [terra de ninguém] em 1788. O padrão se repete em todo lugar: o genocídio de povos indígenas em países agora chamados de “Canadá” e de “os Estados Unidos” foi praticado não apenas com total impunidade, mas com aclamação; a colonização da “África” e “Ásia” foi pintada como uma “missão civilizadora”.

A farsa da retórica “civilizadora”, entretanto, encontrou oponentes ferozes na Europa. A escrita de Marx e Engels, que contribuiria às revoluções russa e chinesa e subsequentes lutas anticoloniais, se destacou por suas denúncias à hipocrisia capitalista e violência colonial (embora normalmente centrando a emancipação de trabalhadores “capitalistas avançados”):

A profunda hipocrisia e barbárie inerente da civilização burguesa jaz desvendada sob nossos olhos, voltando-se da metrópole, onde assume formas respeitáveis, para as colônias, onde passeia nua. [11]

O trabalho não pode se emancipar na pele branca quando na pele negra é marcado. [12]

Um povo que oprime outro não pode se emancipar. [13]

Neste momento o socialismo ainda era uma força menor, pouco mais que um protesto instintivo contra a brutalidade manifesta do capitalismo. Sua primeira vitória significativa ainda estava por vir, com a Comuna de Paris de 1870-71, mas sua estrela surgia rapidamente.

Acompanhado dessa explosão de oposição progressiva ao liberalismo, as fileiras de uma oposição reacionária também começaram a crescer. Como documenta Ishay Landa, escritores liberais do século XIX como John Stuart Mill, Alexis de Tocqueville e Max Weber expressaram ansiedade em vez de triunfalismo: “há claramente algo ameaçador e inquietante, de um ponto de vista burguês e pró-capitalista, na maneira como o próprio capitalismo está se moldando politicamente, socialmente e culturalmente”. [14]

Ambos Losurdo e Landa identificam Friedrich Nietzsche como um dos representantes mais eloquentes desta tendência:

nós contemplamos a necessidade de novas ordens além de uma nova escravidão — pois todo fortalecimento e aprimoramento do tipo humano também envolve um novo tipo de escravização. […] Não somos de maneira alguma “liberais”; não estamos trabalhando pelo “progresso”; [15]

Como demonstra Losurdo em Nietzsche, o Rebelde Aristocrata — outra obra monumental — Nietzsche perseguiu tenazmente, através de várias fases experimentais, um projeto consistente de compreensão da verdadeira fonte da “doença histórica” da modernidade e sua tendência a — e Nietzsche não estava sozinho em pensar assim — um igualitarismo medíocre. Nietzsche, como Marx e Engels, tratou a hipocrisia liberal e sua racionalização pseudocientífica com desdém. Entretanto, ele ficou na extremidade oposta dessa contradição. Ao contrário dos prospectivos Marx e Engels, ele identificou os auges da civilização humana numa versão idealizada da Grécia Antiga, e ficou horrorizado por ambas a Revolução Francesa e a Comuna de Paris. Nietzsche chegou ao ponto de identificar “a facada do silogismo [socrático]” como o início do fim, o primeiro gesto da rebelião ressentida dos escravos contra seus superiores:

Sócrates pertenceu, em suas origens, às mais baixas ordens: Sócrates era ralé. Sabe-se, vê-se por conta própria, como ele era repulsivo. […] Com Sócrates o gosto grego passa por uma mudança em favor da dialética: o que realmente está acontecendo quando isso acontece? É acima de tudo a derrota de um gosto mais nobre; com a dialética a ralé chega ao topo. [16]

Marxistas ao redor do mundo fizeram o exato oposto: olharam adiante com otimismo, tratando dialeticamente o tempo e a mudança como um aliado e não como uma ameaça.

As três ideologias mencionadas no início enfim entram em foco em suas respectivas relações com a instituição da escravidão: enquanto os liberais estavam grandemente preocupados em tentar encontrar justificativas duradouras para certos tipos de subjugação e não outras, e socialistas visavam abolir a escravidão em todas as suas formas, o campo de Nietzsche procurou transcender a necessidade vulgar de ter que justificar a prática. O trágico filósofo e seus simpatizantes especularam que a escravidão, como a expressão plena da desigualdade, foi um aspecto inerente e até romântico — talvez o aspecto definidor — da condição humana. Essa era uma verdade inescapável que deveria ser abraçada sem desculpas por aqueles capazes de a abraçar: o Übermenschen.

Século XX, Parte 1: Revolução Socialista e Contrarrevolução Fascista?

Olhemos um século adiante, suponhamos que meu attentat a dois milênios antinaturais e à violação do homem seja bem-sucedido. Aquele partido da vida que toma em mãos a maior de todas as tarefas, a reprodução elevada da humanidade, junto ao extermínio implacável de todos os elementos degenerados e parasíticos, tornará novamente possível na terra aquela superabundância da vida da qual a condição dionisíaca deve novamente proceder.
 — Friedrich Nietzsche, 1888. [17]

O que é o fascismo senão o colonialismo no seio dos países tradicionalmente colonialistas?
 — Frantz Fanon, 1961. [18]

Resumidamente: em 1914 todos os grandes impérios europeus se engajaram em guerra total uns contra os outros devido a um equilíbrio instável de forças na Europa continental resultante da competição interimperialista, nacionalismos chauvinistas conflitantes e fantasias de guerra transformando “meninos em homens”. A Grande Guerra foi importante não apenas materialmente, em termos de morte e destruição, mas também como um golpe ideológico à noção prevalente de que a “civilização europeia” era inevitável. Sua brutalidade radicalizou russos ao ponto dos bolcheviques conduzirem uma revolução socialista bem-sucedida em rejeição enfática ao velho mundo, acabando com o Império Russo e fundando o primeiro estado operário. [19] Enquanto isso, a Alemanha era humilhada em uma derrota que comprometeu vagamente comunistas alemães, os impérios francês e britânico foram abalados, e a posição da América no cenário mundial foi grandemente elevada.

A esta altura, o mundo já havia sido esculpido por impérios marítimos europeus. Grandes potências negociaram umas com as outras e dividiram povos distantes em “nações” desenhando linhas retas em mapas. Elas arbitrariamente impuseram línguas e substituíram tradições, instalaram instituições repressivas cruéis e extrativas, e basicamente fizeram tudo que podiam para eficientemente afunilar riqueza das colônias para o centro imperial. Esses genocídios foram discutidos eufemisticamente com nomes como “a Partilha da África”, “o Grande Jogo” e “a Era dos Descobrimentos”. Como o Imperialismo de Lenin explica, saque e pilhagem eram absolutamente os maiores negócios da era.

O “Partido Nacional Fascista” italiano inaugurou oficialmente o fascismo como um projeto político declarado em 1922. Os países fascistas — Itália, Alemanha, Espanha e Japão — tinham algo em comum na corrida para a “Guerra Antifascista Mundial” (como a “Segunda Guerra Mundial” é conhecida na China): eles eram estados-nações independentes com economias capitalistas avançadas que não obstante eram carentes de colônias. Esses “países intermediários” ocupavam um nível superior a territórios colonizados e vassalos em África, América do Sul e Ásia, mas um nível inferior a impérios autênticos como Reino Unido, França e Estados Unidos. A Espanha é um caso particular: havia uma vez sido uma potência colonial, mas por volta da virada do século, após perder a Guerra Hispano-americana de 1898, foi forçada a ceder Cuba, Porto Rico e as Filipinas aos Estados Unidos. Essa perda, somada a uma onda de movimentos de independência latino-americanos, reduziu a condição da Espanha a meramente um estado-nação, e simultaneamente lançou os Estados Unidos às fileiras das grandes potências imperiais. O imperialismo se tornara um jogo de soma zero, o que explica por que capitalistas em países fascistas estavam se sentindo excluídos.

Recontagens modernas dessa história, assim como embelezam até que ponto os Pais Fundadores foram motivados por “amor à liberdade”, deliberadamente embaralham a sequência lógica de eventos que levou ao expansionismo do Eixo, obscurecendo sua razão econômica a favor da psicopatologia de uma panelinha maligna de usurpadores.

Como se vê, Adolf Hitler foi fortemente inspirado pela maneira que os Estados Unidos eliminaram e subjugaram povos negros e indígenas, e explicitamente procurou replicar as proezas do “Destino Manifesto” americano. Como narra Losurdo, “com o desencadeamento da guerra no leste, Hitler começou a construir as ‘Índias Alemãs’, como eram às vezes chamadas, ou conquistando um Lebensraum similar ao Velho Oeste.” [20]

Do infame Mein Kampf [Minha Luta] de Hitler, publicado em 1925:

Há hoje um estado no qual primórdios, apesar de fracos, em direção a uma melhor concepção [de leis de cidadania] são notáveis. Claramente, não é o nosso modelo de República Alemã, mas a União Americana, na qual um esforço é feito para consultar a razão pelo menos parcialmente. Recusando em princípio a imigração de elementos em saúde debilitada, meramente excluindo certas raças da naturalização, ela professa em lentos primórdios uma visão que é peculiar ao conceito de estado racial. [21]

De suas memórias de 1942:

A luta que estamos travando [na Crimeia] contra os Partisans lembra muito a luta na América do Norte contra os peles vermelhas. A vitória virá ao forte, e a força está do nosso lado. A todo custo lá estabeleceremos lei e ordem. […] A Saxônia, por exemplo, desfrutará de uma explosão comercial sem precedentes, e criaremos para ela um mercado de exportação muito rentável, o qual será tarefa do gênio inventivo saxão desenvolver. [22]

A ressonância dessas declarações com aquelas dadas anteriormente é desfavorável para o liberalismo. Será alguma surpresa que elas não são amplamente circuladas? Não é difícil ver por quê historiadores pop preferem retratar Hitler em termos apolíticos como um pintor tragicamente frustrado, deste modo o distanciando de seus antepassados ideológicos.

A atitude metódica de Hitler era compartilhada por Henrich Himmler, o arquiteto do Holocausto, que em 1943 disse:

Um princípio deve ser absoluto para o homem da SS: devemos ser honestos, decentes, leais e amigáveis a membros de nosso sangue e a mais ninguém. O que acontece com os russos, o que acontece aos tchecos, para mim é uma questão totalmente indiferente. O bom sangue de nosso tipo que pode haver dentre as nações adquiriremos para nós, se necessário tomando as crianças e educando-as dentre nós. Se os outros povos vivem em conforto ou perecem de fome me interessa apenas na medida em que precisamos deles como escravos para nossa cultura; além disso não me interessa. Se 10.000 mulheres russas colapsarem de exaustão enquanto cavam uma vala para tanques me interessa apenas na medida que a vala para tanques é concluída para a Alemanha. [23]

A mesma lógica era presente na brutalidade do Japão fascista por toda a Ásia, e na conquista da Abissínia pela Itália — o Império da Etiópia — em 1935. Se a Espanha não fez muito progresso na “recuperação da glória passada”, é porque os fascistas lá tinham maior dificuldade em reprimir a oposição doméstica do que tinham em outros lugares.

Ademais, o processo de colonização “tradicional” no qual os fascistas se inspiravam estava longe de acabar. Winston Churchill se expressou em termos praticamente idênticos em 1937, no contexto da Grã-Bretanha oferecer suporte ao colonialismo de povoamento sionista na Palestina.

Eu não admito que o cachorro na manjedoura tenha o direito final à manjedoura, mesmo que ele tenha estado lá por muito tempo. Eu não admito este direito. Eu não admito, por exemplo, que uma grande injustiça tenha sido feito contra os peles vermelhas da América, ou às pessoas pretas da Austrália. Eu não admito que uma injustiça tenha sido feita a essas pessoas pelo fato de que uma raça mais forte, uma categoria maior de raça, ou, em qualquer medida, uma raça mais esperta, digamos assim, veio e tomou o seu lugar. Eu não admito. Eu não acho que os peles vermelhas tinham qualquer direito de dizer, “o continente americano nos pertence e não deixaremos qualquer um desses colonos europeus virem aqui”. Eles não tinham o direito, nem o poder. [24]

Pouco tempo depois, em 1943, ele tinha isso a dizer sobre os sujeitos coloniais da Grã-Bretanha na Índia, três a quatro milhões dos quais estavam então morrendo de fome por resultado das políticas do próprio Churchill:

“Eu odeio os indianos”, ele disse ao Secretário de Estado pela Índia, Leopold Amery. “Eles são um povo bestial com uma religião bestial”. A fome foi culpa deles mesmos, ele declarou em uma reunião de gabinete de guerra, por “se reproduzirem como coelhos”. [25]

Nesse ponto, quando confrontados com tal insensibilidade e indiferença explícita ao sofrimento humano, quando a existência de uma linha dura dividindo o liberalismo e o fascismo é desafiada, liberais tendem a recorrer a uma mentira eurocêntrica clássica: “Todo mundo era racista naquela época”. Vale a pena, portanto, notar como o principal estadista do campo socialista, visto vastamente após o fato como um carniceiro louco e bandido anti-intelectual, se expressou no mesmo período.

Josef V. Stalin, Secretário-Geral do Partido Comunista da União Soviética de 1922 a 1952, respondeu a uma agência de notícias americana sobre a questão do antissemitismo em 1931:

Chauvinismo nacional e racial é um vestígio dos costumes misantrópicos característicos do período do canibalismo. Antissemitismo, uma forma extrema de chauvinismo racial, o vestígio mais perigoso do canibalismo.

Antissemitismo é vantajoso aos exploradores como um para-raios que desvia os golpes dirigidos pelo povo trabalhador ao capitalismo. O antissemitismo é perigoso para o povo trabalhador por ser um caminho falso que os tira da estrada correta e os deixa na selva. Portanto, os comunistas, como internacionalistas consistentes, devem ser irreconciliáveis, inimigos jurados do antissemitismo.

Na URSS o antissemitismo é passível de punição com a máxima severidade da lei como um fenômeno profundamente hostil ao sistema soviético. Sob a lei da URSS antissemitas ativos são sujeitos à pena de morte. [26]

Esta resposta questiona seriamente a hermenêutica da suspeita padrão que percorre todas as avaliações ocidentais de Stalin. Isso é porque, assim como Marx e Engels denunciaram o colonialismo com base no interesse coletivo dos trabalhadores ocidentais pela emancipação, a rejeição de Stalin ao antissemitismo não é apenas uma postura moral, é funcional. Não precisamos confiar no Stalin para entender que o que ele está dizendo faz sentido independentemente do que imaginemos que seja seu preconceito privado. Comparado à psicopatologia liberal que se passa por história, a metáfora de Stalin oferece uma explicação muito superior do porquê a burguesia industrial em controle da Alemanha acharia útil se engajar em propaganda antissemita: “[ela] desvia os golpes dirigidos pelo povo trabalhador contra o capitalismo”.

Stalin rejeitou a doutrina da supremacia racial ainda mais enfaticamente em um relatório ao XVII Congresso do Partido em 1934, no qual ele discute o projeto de expansão de Hitler:

Outros ainda pensam que a guerra deveria ser organizada por uma “raça superior”, como, a “raça” alemã, contra uma “raça inferior”, primariamente contra os eslavos; que apenas tal guerra pode dar uma saída à situação, pois é a missão da “raça superior” tornar fecunda a “raça inferior” e dominá-la.

Suponhamos que essa teoria excêntrica, que é tão distante da ciência quanto o céu da terra, suponhamos que essa teoria excêntrica seja posta em prática. Qual pode ser o seu resultado? É sabido que a Roma antiga olhava os ancestrais dos atuais alemães e franceses da mesma forma que os representantes da “raça superior” agora olham para as raças eslavas. É sabido que a Roma antiga os tratava como uma “raça inferior”, como “bárbaros”, destinados a viver em subordinação eterna à “raça superior”, à “grandiosa Roma”, e, diga-se entre nós, a Roma antiga tinha alguma fundamentação para tal, o que não pode ser dito dos representantes da “raça superior” de hoje. (Aplausos estrondosos)

Mas qual foi o resultado disso? O resultado foi que os não-Romanos, ou seja, todos os “bárbaros”, uniram-se contra o inimigo comum e derrubaram Roma com um estrondo. Surge a pergunta: que garantia há que essas afirmações dos representantes da “raça superior” de hoje não levarão aos mesmos resultados lamentáveis? Que garantia há de que os letrados políticos fascistas em Berlim terão mais sorte do que os velhos e experientes conquistadores em Roma? Não seria correto presumir que seria o caso oposto? [27]

Em nenhum momento Stalin confundiu Hitler com algo remotamente parecido com um aliado. Ele expressou sua preocupação com o expansionismo fascista novamente em uma entrevista com o jornalista americano Roy W. Howard, conduzida em 1936:

Na minha opinião há dois focos de perigo de guerra. O primeiro é no extremo oriente, na região do Japão. Eu tenho em mente as numerosas declarações feitas por militares japoneses contendo ameaças contra outros poderes. O segundo foco é na região da Alemanha. É difícil dizer qual é mais ameaçador, mas ambos existem e estão ativos. Comparada a esses dois focos de perigo de guerra principais, a guerra ítalo-abissínia é apenas um episódio. No presente, o lugar de perigo do extremo oriente revela a maior atividade. Entretanto, o centro desse perigo pode se deslocar para a Europa. Isso é indicado, por exemplo, pela entrevista que Herr Hitler deu recentemente a um jornal francês. Nessa entrevista Hitler parece ter tentado dizer coisas pacíficas, mas ele regou seu “pacifismo” tão abundantemente de ameaças contra a França e a União Soviética que nada sobrou de “pacifismo”. Veja, até quando Herr Hitler quer falar de paz ele não consegue evitar proferir ameaças. Isso é sintomático. [28]

Compare essas afirmações com estas, feitas por Winston Churchill em 1935:

Não podemos dizer se Hitler será o homem que mais uma vez lançará sobre o mundo outra guerra na qual a civilização sucumbirá irrecuperavelmente, ou se ele entrará para a história como o homem que restaurou honra e paz de espírito à grandiosa nação alemã e a trouxe de volta serena, prestativa e forte, para o primeiro plano do círculo familiar europeu. [29]

Churchill, mais uma vez, endereçando a Câmara dos Comuns em 1937:

Eu não fingirei que, se tivesse que escolher entre comunismo e nazismo, escolheria comunismo. [30]

Para dar uma ideia de quão difundida era essa atitude — certamente não limitada a Churchill — veja como Mackenzie King, primeiro-ministro do Canadá de 1935 a 1949, gabou-se por conhecer Hitler em 1937:

“Enquanto conversava com ele, podia apenas pensar em Joana D’Arc”, King escreveu em seu diário naquela noite. O registro transborda de páginas de quase paixão por Hitler. O líder alemão era “eminentemente sábio”, um “místico”, um “libertador de seu povo da tirania”. King entrou em detalhes obsessivos sobre os antecedentes de Hitler, seu vegetarianismo, seu amor pela natureza, sua alegada religiosidade. Ele lembrara de todo detalhe da reunião: como Hitler posicionou suas mãos, o que estava vestindo, seu “sorriso elegante” e sua pele “lisa”.
[…]
O extremismo racista dos nazistas não era segredo quando King chegou no Terceiro Reich. Queimadas públicas de livros haviam sido feitas já em 1933 e judeus alemães estavam sendo progressivamente despojados de sua propriedade, emprego e direitos. De fato, apenas dois meses antes da chegada de King em Berlim o prefeito da cidade havia efetivamente banido crianças judias de frequentar escolas públicas. Enquanto isso, a Alemanha estava se rearmando. Tropas já tinham marchado à Renânia desmilitarizada, violando abertamente os termos do Tratado de Versalhes.
[…]
King não só acreditava em Hitler; ele chamou [uma das declarações de Hitler sobre a paz] uma “verdadeira nota de humildade”. [31]

Harry Truman, um membro do congresso dos EUA que logo se tornaria o vice-presidente e, com a morte de Roosevelt, presidente de 1945 a 1953, disse o seguinte no piso do Senado dos EUA em 23 de junho de 1941:

Se vermos que a Alemanha está vencendo devemos ajudar a Rússia, e se a Rússia está vencendo devemos ajudar a Alemanha, e assim deixá-los matar tantos quanto for possível, apesar de eu não querer ver Hitler ser vitorioso sob quaisquer circunstâncias. [32]

Nesse contexto podemos entender por que, quando a União Soviética procurou os países ocidentais para fazer uma aliança militar contra Hitler, sua proposta foi recusada:

Documentos que foram mantidos em segredo por quase 70 anos mostram que a União Soviética propôs enviar uma poderosa força militar em um esforço para atrair a Grã-Bretanha e a França para uma aliança antinazista.
[…]
A oferta de uma força militar para ajudar a conter Hitler foi feita por uma alta delegação militar soviética em uma reunião no Kremlin com altos oficias britânicos e franceses, duas semanas antes do início da guerra em 1939.
[…]
Porém o lado britânico e francês — informados por seus governos a conversar, mas não autorizados a firmarem acordos — não responderam à oferta soviética, feita em 15 de agosto de 1939. Como alternativa, Stalin virou-se para a Alemanha, assinando o notório pacto de não-agressão com Hitler apenas uma semana depois. [33]

A liderança da União Soviética não foi desatenta ao fato de que, para os governantes de todo império consagrado e aspirante fascista, a URSS era uma potência ilegítima e perigosa, uma conspiração “da ralé” — judaico-bolcheviques e eslavos antipatriotas. Com o Acordo de Munique de 1938 — um ano antes do Pacto de Não-Agressão entre a União Soviética e a Alemanha Nazista ser assinado — o Reino Unido, França e Itália concordaram em acalmar Hitler tirando os Sudetos, lar de mais de três milhões de pessoas, da Tchecoslováquia e os entregando à Alemanha. Acordos cruéis estavam sendo firmados com a Alemanha nazista enquanto acordos sensatos com a União Soviética eram ignorados porque o liberalismo e o fascismo concordavam em duas questões cruciais: norma burguesa e supremacia racial.

Vamos retornar à questão do antissemitismo e desumanização. O Holocausto é frequentemente distinguido de outras atrocidades em termos de 1) seu caráter industrial, e 2) o fato de que negou a humanidade de pessoas que eram largamente aceitas como humanas pelo mundo “civilizado”.

Ter sido feito por meios industriais diz respeito principalmente aos meios industriais disponíveis à máquina de guerra nazista. Os nazistas certamente não foram os únicos na história a usar a tecnologia mais recente para matar inocentes — os primeiros colonos americanos foram pioneiros no bioterrorismo muito antes do Projeto Manhattan ou guerra de drones. Além disso, tal criatividade nunca foi restrita a “armas, germes e aço”. As memórias de Benjamin Franklin mostram como o projeto genocida americano veio a entender a efetividade do álcool como uma arma:

Se faz parte do desígnio da Providência extirpar esses selvagens para dar espaço aos cultivadores da terra, não parece improvável que o rum seja o meio empregado. Ele já aniquilou todas as tribos que habitavam o litoral. [34]

A segunda característica é mais distintamente perturbadora: a ambição e escopo agressivos da desumanização fascista. A Alemanha nazista declarou eslavos e judeus sub-humanos diante de, por causa de, suas fortunas obviamente crescentes, e o Japão declarou todas as outras etnias asiáticas inferiores em total desprezo pela sua grandeza histórica óbvia. Esses não eram preconceitos desatentos como poderiam facilmente ter sido, se apenas tivesse havido a intervenção amigável certa no grupo certo de pessoas, ou “mais consciência história”, como às vezes é afirmado. A desumanização era uma pré-condição lógica necessária para justificar declarar as terras do leste Europeu e ao redor do Japão terra nullius, para justificar o avanço expansivo imperialista a um mundo totalmente “descoberto” e ocupado. Em outras palavras, a ciência racial fascista teve, na primeira metade do século XX, exatamente o mesmo papel que a ciência racial liberal durante a “Era dos Descobrimentos”, apenas direcionada contra um grupo diferente de alvos e com o mundo todo, agora vocal e interconectado, como testemunha.

Em 1942, Stalin fez a seguinte observação:

É muito provável que a guerra pela libertação da terra soviética resultará em expulsar ou destruir a camarilha de Hitler. Deveríamos acolher esse resultado. Porém seria ridículo identificar a camarilha de Hitler com o povo alemão e o Estado alemão. A história mostra que Hitlers vem e vão, mas o povo alemão e o Estado alemão permanecem. Por fim, a força do Exército Vermelho jaz no fato de que não entretém e nem pode entreter ódio racial por outros povos, incluindo o povo alemão, de que foi criado no espírito da igualdade de todos os povos e raças, no espírito do respeito pelos direitos de outros povos. [35]

Observe como Franklin D. Roosevelt, falando em 1944, teve a visão essencialmente oposta:

Devemos ser duros com a Alemanha, e quero dizer o povo alemão, não apenas os nazistas. Temos que castrar o povo alemão ou você tem que tratá-los de uma certa maneira para que não possam continuar se reproduzindo. [36]

Os comentários de Roosevelt prenunciam o que muitos de nós já sabemos: a derrota formal das potências autodeclaradas fascistas não irá, de fato, significar o fim do fascismo como uma filosofia política.

Século XX, Parte 2: Liberalismo Moderno e a Invenção do “Totalitarismo”

Vinte e quatro anos de disciplina e trabalho criaram uma glória eterna, o nome da qual é o Exército Vermelho. Qualquer um que ame a liberdade deve uma grande dívida ao Exército Vermelho que nunca conseguirá pagar.
 — Ernest Hemingway, 1942. [37]

Nós não esquecemos a atitude humana da União Soviética que foi a única dentre as grandes potências a abrir suas portas para centenas de milhares de judeus quando os exércitos nazistas estavam avançando sobre a Polônia.
 — Albert Einstein, 1945. [38]

Em 1939, os EUA negaram entrada do navio de passageiros MS St. Louis, que continha quase mil refugiados judeus da Europa. Após seu retorno à Europa, 254 deles morreram no Holocausto. Apenas um ano depois, a União Soviética recebeu “centenas de milhares de judeus” escapando da perseguição nazista. Como os EUA se recuperaram disso? Como pôde se recuperar de entrar tardiamente na guerra, deliberadamente deixando a União Soviética absorver cinquenta vezes o número de baixas sofridas pelos americanos, conforme a recomendação explícita de Truman? Como pôde se recuperar de usar armas nucleares em civis japoneses por nenhuma razão perceptível que não ameaçar a União Soviética, horrorizando o mundo? [39]

Acontece que, além de uma campanha mundial de terrorismo anticomunista e assassinato em massa, [40] os EUA inverteram com sucesso a história conhecida com a campanha publicitária mais sofisticada, duradoura e completa até hoje. Aproveitou-se de rádio, cinema e televisão de maneiras inéditas. Nosso foco, entretanto, é no pilar ideológico dessa campanha, um projeto que propagandistas ocidentais defendem com disciplina de ferro até hoje: a invenção da categoria de “totalitarismo”.

Hannah Arendt, uma judia nascida na Alemanha refugiada da Alemanha nazista, tornou-se uma cidadã americana em 1950. Um ano depois, seu livro Origens do Totalitarismo a catapultou para o estrelato intelectual. Sua experiência pessoal sobrevivendo ao fascismo deu-lhe credibilidade inatacável e ajudou a garantir seu lugar no cânone. Porém sua crítica não foi reservada apenas ao fascismo. No livro, ela denunciou fascismo e comunismo em termos mais ou menos simétricos, como diferentes expressões do perigo a longo prazo posto pelo “homem da massa”:

O que acontecerá quando o autêntico homem da massa assumir o controle, ainda não sabemos, embora possa ser um palpite justo que ele terá mais em comum com a exatidão meticulosa e calculada de Himmler do que com o fanatismo histérico de Hitler, lembrará mais a obtusidade teimosa de Molotov do que a crueldade sensual e vingativa de Stalin. [41]

Em outro lugar na mesma obra, ela se distorce para distinguir o colonialismo de povoamento na África do Sul do “totalitarismo”:

[Os nativos] foram, por assim dizer, seres humanos “naturais” que careciam do caráter especificamente humano, da realidade especificamente humana, de modo que quando os homens europeus os massacravam, de alguma forma não estavam cientes de que haviam cometido assassinato. Além disso, o massacre sem sentido de tribos nativas no Continente Negro estava bastante de acordo com as tradições dessas próprias tribos. [42]

Independentemente se foram mais “fanáticos” ou “clínicos”, os totalitários estavam “cientes que haviam cometido assassinato”, enquanto os colonizadores estavam relativamente livre de suspeitas, já que seus “massacres sem sentido” foram feitos contra criaturas que “careciam do caráter especificamente humano”. Essa formulação essencialmente atualiza a infame apologia de John Seeley do século XIX ao Império Britânico (“parece que nós, por assim dizer, conquistamos metade do mundo em um feitio de ausência de espírito”) para uma nova era na qual estados independentes estavam se tornando fortes o suficiente para desafiar a hegemonia das potências do Atlântico Norte. Arendt toma a afirmação de Seeley e a transforma na diferença crucial entre colonialismo (perdoável) e fascismo e socialismo (criminoso): a colonização foi acidentalmente infligida contra selvagens, enquanto o fascismo deliberadamente escravizou pessoas, e o socialismo deliberadamente expropriou capitalistas. A ascensão do Ocidente é imaginada como um projeto natural, tornando os projetos socialistas e fascistas ambos antinaturais por contraste. Nessa visão, pouco importa se as intenções radicais foram boas ou más, ou quais resultados foram alcançados — tudo que importa é que foram radicais, que estão desafiando algo que estava destinado para ser.

Em 1957, Arendt clarificou seus compromissos básicos em um ensaio espantoso que seus fãs na esquerda ainda tentam perdoar, analisando as tensões que a integração escolar havia alimentado em uma América segregada racialmente:

Mas o princípio de igualdade, até em suas formas americanas, não é onipotente; não pode equalizar características naturais e físicas. É portanto bem possível que a conquista de igualdade social, econômica e educacional para o Negro podem aguçar o problema da cor neste país em vez de o amenizar. O direito de livre associação, e portanto de discriminação, tem maior validade que o princípio de igualdade. [43]

Assim era a perspectiva da principal especialista em “totalitarismo”, que empresta seu nome para o Instituto Hannah Arendt de Pesquisa sobre Totalitarismo em Dresden, Alemanha.

Outro crítico reverenciado do “totalitarismo” foi George Orwell. Em 1946 ele explicou sua missão:

Toda linha de obra séria que eu escrevi desde 1936 foi escrita, da maneira que entendo, direta ou indiretamente, contra o totalitarismo e pelo socialismo democrático. [44]

Um pouco mais ousado que Arendt, um pouco mais apimentado, Orwell alegou fidelidade a um socialismo “democrático” (o modificador redundante sempre indica uma rejeição e condenação a outros socialismos). Não é surpresa que autoridades ocidentais ficaram muito felizes em ter sua assistência na sua luta contra a União Soviética. Eles impulsionaram seu trabalho entusiasticamente, com a CIA chegando ao ponto de financiar totalmente a primeira adaptação em filme de seu livro de Trotskismo para crianças, A Revolução dos Bichos[45]

Orwell também trabalhou como um delator para a Inteligência Britânica, informando-os sobre potenciais subversivos comunistas na cena intelectual de Londres:

Há uma sobreposição notável e óbvia no caderno de Orwell entre muitas das figuras públicas gays, judaicas e anticoloniais proeminentes de Londres e os “comunas” acusados. Os comentários preconceituosos de Orwell enchem seu caderno de suspeitos. Judeus são claramente rotulados (“judeu polonês”, “judeu inglês”, “judia”) enquanto outros são rotulados erroneamente (“Charlie Chaplin — judeu?”). O cantor afro-americano e futuro ativista de direitos civis Paul Robeson é encontrado na lista de Orwell com a nota “muito antibranco”, enquanto o poeta meio judeu Stephen Spender é condenado como um “simpatizante sentimental… tendência à homossexualidade”. [46]

Escrevendo em 1941 sobre seus colegas não tão patrióticos e suas críticas ao Império Britânico, Orwell não hesita em fixar “responsabilidade parcial” da agressão nazista neles:

A Inglaterra é talvez o único grande país cujos intelectuais têm vergonha de sua própria nacionalidade. Em círculos de esquerda sempre se sente que há algo levemente vergonhoso em ser um inglês e que é um dever zombar de toda instituição inglesa, da corrida de cavalos a pudins de sebo. É um fato estranho, mas é uma verdade inquestionável que quase todo intelectual inglês teria mais vergonha de ficar em pé durante “Deus salve o Rei” do que de roubar uma caixa de doações. Durante todos os anos críticos muitos esquerdistas estavam atacando a moral inglesa, tentando espalhar uma perspectiva que era às vezes levemente pacífica, às vezes violentamente pró-russa, mas sempre antibritânica. É questionável quanto efeito isso teve, mas certamente teve algum. Se o povo inglês sofreu por muitos anos um verdadeiro enfraquecimento da moral, para que as nações fascistas julgassem que ele fosse “decadente” e que era seguro entrar em guerra, a sabotagem intelectual da esquerda foi parcialmente responsável. [47]

Orwell fulminou contra socialistas na Inglaterra por sua falta de lealdade da mesma maneira que Arendt repreendeu os críticos da América: ingratos dogmáticos, ignorantes de quão boa é sua . Já que ambos pregavam a doutrina de “mau gêmeo” que os cruzados do anticomunismo acharam tão útil, esses escritores medíocres foram inundados de elogios e reimpressões. Sua estrada ao estrelato foi aberta por agências de inteligência que, ao longo da Guerra Fria e entrando no século XXI, nunca deixaram de desaparecer, silenciar, marginalizar e assassinar a esquerda “dura” (ou seja, comunista).

Agora, apesar desses Guerreiros Frios serem exemplares de uma tendência intelectual, eles não estavam em posições oficiais de poder. É útil observar como a mesma coleção de atitudes foi expressada por alguém que trabalhou como um arquiteto do império americano durante esse período.

Em 1946, George Kennan, um dos homens por trás da “Doutrina Truman” e do “Plano Marshall”, refletiu de maneira sombria sobre o desafio geopolítico imposto pela União Soviética:

A primeira coisa que me impressiona sobre medidas de pressão é que elas diferem significativamente no caso de estados totalitários e democráticos. […] Seria um erro superestimar a utilidade das armas econômicas quando elas são usadas como um meio de contrapressão contra grandes estados totalitários, especialmente quando esses estados são eles mesmos poderosos economicamente. Isso é particularmente verdade no caso da União Soviética, porque os líderes soviéticos colocam consistentemente a política na frente da economia em toda ocasião em que há um confronto. [48]

Nessa passagem peculiar, Kennan advoca por “democracia” e contra o “totalitarismo”. O que isso significa exatamente? O que significa colocar “a política na frente da economia”, e como isso é caracteristicamente totalitário e antidemocrático? Em um memorando secreto revelado de 1948, Kennan se expressa mais livremente, providenciando uma imagem mais clara:

Nós temos cerca de 50% da riqueza do mundo mas apenas 6,3% de sua população. Essa disparidade é particularmente grande entre nós e os povos da Ásia. Nessa situação, não podemos deixar de ser objetos de inveja e ressentimento. Nossa verdadeira tarefa no período seguinte é conceber um padrão de relações que nos permitirá manter essa posição de disparidade sem detrimento positivo à nossa segurança nacional. Para fazê-lo, teremos que dispensar toda sentimentalidade e devaneio: nossa atenção em todo lugar terá de ser concentrada nos nossos objetivos nacionais imediatos. Não podemos nos enganar pensando que dispomos hoje da luxúria do altruísmo e do benefício do mundo. [49]

Essa é a realpolitik madura e sóbria que dirigiu o terrorismo anticomunista ao redor do mundo pelos últimos 70 anos. Talvez poderíamos tentar manter uma distinção entre fascismo absoluto e liberalismo moderno em termos do fato que animosidade na base de raça tem um papel muito pequeno nesta, mas mesmo essa distinção escassa é despedaçada por uma verificação dos registros do diário de Kennan de 1978:

[Kennan] imagina toda a humanidade destinada a “dissolver em uma vasta massa poliglota”, com apenas os chineses, judeus e negros permanecendo separados. “Poderia isso significar que essas três minorias estão destinadas a subjugar e dominar o resto da sociedade como um triunvirato apreensivo porém inevitável — os chineses por sua combinação de inteligência, crueldade e diligência como de formigas; os judeus por sua pura determinação a sobreviver como uma cultura; os negros por sua amargura inerradicável e ódio pelos brancos?” [50]

Na ausência de quaisquer pontos significativos de discordância, parece que os “letrados políticos fascistas” que Stalin ridicularizou em uma era anterior, os Hitlers e Mussolinis, distinguiam-se de Guerreiros Frios posteriores primariamente por aspirarem abertamente a uma melhor posição dentre as potências imperiais, em vez de operar disfarçadamente e com impunidade do alto “do maior país do mundo”.

O mito do “totalitarismo” permitiu aos propagandistas ocidentais reescrever dramaticamente a história, acusando os socialistas de afinidade com fascistas enquanto simultaneamente recrutam e colocam fascistas no poder em todo lugar — Wernher von Braun, Walter Hallstein, Adolf Heusinger, Klaus Barbie, Nobusuke Kishi, Augusto Pinochet, Syngman Rhee, Suharto… a lista é infinita. O mundo foi aterrorizado a erguer barricadas diplomáticas e econômicas contra a União Soviética, e o primeiro estado operário antifascista foi então estrangulado até a morte.

Longe de desaparecer com o colapso da União Soviética, entretanto, o mito do “totalitarismo” sobreviveu. Ele prevalece hoje como um pilar permanente da propaganda dos EUA contra qualquer país cujo governo se recuse a curvar-se à sabedora suprema da “democracia liberal” e de “livres mercados”. Ao lado do seu papel como uma arma de política externa, o mito dos “totalitarismos gêmeos” também tem um papel doméstico, fragilizando qualquer esforço de organização contra o capitalismo até mesmo diante do apocalipse climático. Qualquer forma de disciplina além daquilo que carregue o selo de aprovação do mercado foi associado com horror e crueldade.

Ao mesmo tempo, em lugares onde esse programa propagandístico foi frustrado, o comunismo sobreviveu. Durante a pandemia de COVID-19, apesar de denunciada como “autoritária” por todo jornal no ocidente (incluindo alguns canais de “esquerda”), a rápida intervenção do estado em estados socialistas salvou milhões de vidas. Humanos impuseram-se diante da vontade genocida do capital.

Traz à mente uma pergunta levantada por Fidel Castro em 1993:

Nem a China nem o Vietnã se autodestruíram. Nós falamos tanto do socialismo que desapareceu na União Soviética, por que não falamos do socialismo chinês? [51]

A questão da afinidade particular do ocidente por propaganda sobre “totalitarismo” deve ser entendida, e esse entendimento fornece uma solução a esse dilema.

Marx, Nietzsche e a Busca Consciente

Na nossa história até agora, Nietzsche e a questão das simetrias e antissimetrias entre Nietzsche e Marx ficaram abandonadas em segundo plano. Agora é o momento de trazê-los à tona e de explicar por que os considero tão úteis.

Considere como Nietzsche fala sobre máscaras:

Todo espírito profundo precisa de uma máscara. Mais ainda, em torno de todo espírito profundo se forma continuamente uma máscara. [52]

Contraste isso com a maneira que Marx e Engels divulgaram seus comprometimentos, e encorajaram outros a fazê-lo, no Manifesto Comunista:

Os comunistas desprezam ocultar suas visões e objetivos. Declaram abertamente que seus fins só podem ser alcançados com a derrubada forçada de todas as condições sociais existentes. [53]

Considere como um Nietzsche prematuro polemiza a favor de uma “nova escravidão” e das virtudes dos antigos, enquanto para Marx não há dúvida de que o maior herói da antiguidade é o líder de revoltas de escravos: “Espártaco revela-se como o mais esplêndido indivíduo de toda a história antiga”. [54]

Um jovem Marx, meditando sobre sua visão de utopia na Ideologia Alemã, discorre poeticamente sobre a possibilidade de uma sociedade livre da divisão de trabalho em si:

Na sociedade comunista, ninguém tem uma esfera exclusiva de atividade, mas cada um pode aperfeiçoar-se em qualquer ramo que desejar, a sociedade regula a produção geral e portanto torna possível que eu realize uma coisa hoje e outra amanhã; caçar pela manhã, pescar à tarde, criar gado à noite, criticar após o jantar, de acordo com a minha vontade, sem nunca tornar-me caçador, pescador, pastor ou crítico. [55]

Nietzsche, enquanto isso, em Humano, Demasiado Humano, descreve um tipo diferente de utopia, uma sociedade sinistra cruel organizada ao redor das duras exigências de gerar gênio em meio à escassez:

Minha Utopia. — Em uma sociedade melhor arranjada o trabalho pesado e dificuldade da vida serão atribuídos àqueles que menos sofrem com eles, aos mais obtusos, portanto; e assim gradualmente até aqueles que são mais sensíveis aos tipos de sofrimento mais elevados e sublimes, e quem portanto ainda sofre a despeito dos maiores alívios da vida. [56]

Nietzsche não era ingênuo. Seria um erro dispensar esses aforismos como a loucura antissocial de um misantropo solitário; para recordar Waite, o projeto de Nietzsche é a “única posição além do comunismo”. Nietzsche está articulando um ceticismo difundido sobre a capacidade do socialismo de fornecer felicidade em massa, e sua crítica ressoa de maneira poderosa com qualquer um que sente sua individualidade ameaçada por um coletivo. Stalin (e seu grupo) reivindicou Marx, enquanto Hitler (e seu grupo) reivindicou Nietzsche… e a maioria do mundo ocidental prosseguiu a reivindicar Nietzsche também. Basta fazer uma visita à sua livraria local — tudo que Nietzsche escrevera é agora um clássico que nunca se esgota, encontrando o caminho até mochilas de adolescentes como também seminários acadêmicos.

Acusar Nietzsche de ser o fascista primordial, muito menos um protofascista, tem consequências previsíveis: seus incontáveis fãs aparecem para explicar que ele na verdade nunca endossou o partido nazista porque ele já estava morto, que quaisquer ligações ao projeto nazista são o resultado de uma conspiração orquestrada por sua irmã nacionalista alemã, que ele condenou os nacionalistas étnicos e zombou de antissemitas, que sua filosofia era, na verdade, estética e espiritual e antissistêmica e impossível de definir, e que ele superou quaisquer ideias equivocadas que possa ter defendido em sua juventude.

Domenico Losurdo examina cada uma dessas defesas detalhadamente, incluindo a teoria da conspiração, em sua bibliografia crítica de Nietzsche. Nietzsche aparece como um pensador poderoso e complexo, que realmente passou por múltiplas fases e adotou crenças contraditórias, porém Losurdo mostra que uma coisa permanece constante: Nietzsche nunca deixou de experimentar para encontrar a melhor maneira de se opor às tendências de nivelamento igualitário da modernidade que ele desprezava. Curiosamente, após expor até que ponto Nietzsche concordava com antissemitas em sua juventude, Losurdo cede algum terreno aos defensores de Nietzsche:

O conselho de Cosima para ter cuidado com o que ele dizia pode ter tido um efeito positivo: longe de ficar confinado ao nível verbal, a autocensura levou a um tipo de sublimação e transcendência do imediatismo, no sentido de que a análise impiedosa da modernidade tornou-se até certo ponto autônoma dos temas judeufóbicos que a acompanhavam. [57]

Em outras palavras, quando seus interlocutores antissemitas aconselhavam Nietzsche a mascarar o racismo em sua escrita, eles inadvertidamente o estimularam a encontrar justificativas para escravidão e elitismo que não estavam enraizadas no argumento moderno demais e universalista (e portanto instável, empiricamente refutável) da “ciência racial”. Afinal de contas, a “ciência racial” é, tanto historicamente quanto logicamente, um conceito liberal. Se diferenças raciais acabam por não ser inerentes, lá se vai todo o argumento (liberal) pela supremacia branca. O racismo liberal ainda sente que precisa se justificar em termos científicos, ou seja, universalistas. Como Nietzsche corretamente observou, isso já é uma capitulação ao socialismo, que vence mais quanto mais pessoas raciocinam juntas. Para condenar verdadeiramente o socialismo, Nietzsche pintou a questão da dominação de classe como uma de arbítrio, estética, “liberdade” e espírito.

Assim como as condições materiais de países capitalistas disputando por recursos em um planeta já ocupado nos ajudou a entender o fascismo como um fenômeno geopolítico em vez de uma psicopatologia, Nietzsche nos ajuda a entender o real apelo ideológico do fascismo para pessoas comuns e instruídas. Nietzsche ajuda a explicar como fantasias de “escravidão” e “exterminação” poderiam se tornar respeitáveis e até belas. Nietzsche foi unicamente talentoso em fazer seus leitores se sentirem especiais e fortes como uma recompensa por adotarem seu pessimismo profundo e misantrópico:

Que a boa razão nos preserve da crença que algum dia ou outro a humanidade descobrirá uma ordem final e ideal e que então a felicidade brilhará com intensidade constante sobre as pessoas assim ordenadas, como o sol nos trópicos: […] Não haverá nenhuma era de ouro, nenhum céu ensolarado a essas próximas gerações. […] Nem a bondade e a justiça supra-humanas se estenderão como um arco-íris imóvel sobre os campos do futuro. [58]

Vemos agora por que as massas chinesas e soviéticas geram uma repulsa tão difundida entre os pretensos aristocratas do Ocidente, como até mesmo proletários do ocidente se sentem confortáveis em se referir a eles como “rebanhos” e “insetos” ingênuos. O pensamento nietzschiano, diferentemente do pensamento hitleriano, é largamente respeitado e reconhecido como uma influência por pessoas poderosas em praticamente toda instituição de nossa sociedade: em um contexto acadêmico (Hannah Arendt, Jordan Peterson), nas mídias de massas (filmes de super-heróis, Breaking Bad, etc.) e na esquerda (Emma Goldman, Mark Fisher, Contrapoints, etc.).

Meu último argumento diz respeito à elevação de consciência e autoconhecimento.

Nós estabelecemos que Marx usou o conceito de “acumulação primitiva” para descrever um dos aspectos operacionais do capitalismo. Porém Marx também discutiu “comunismo primitivo”, em referência à solidariedade e camaradagem que era necessária à sobrevivência das primeiras sociedades humanas, porque possui uma importante semelhança com futuras sociedades comunistas.

De acordo com Marx, formas solidárias de organização social que no passado haviam surgido simplesmente por necessidade e circunstância, que foram igualmente suplantadas por necessidade e circunstância (pela opressão eficiente do homem pelo homem, pela escravidão), realizariam um retorno emancipatório. Entretanto, desta vez elas seriam consagradas e protegidas por massas de trabalhadores conscientes, trabalhadores que sabem o valor de seu trabalho, que demandam uma economia que eles fizeram, que eles sabem que fizeram, e que eles são capazes de refazer continuamente. [59]

Nietzsche, se aceitarmos a leitura dele como o filósofo definitivo do fascismo, é facilmente entendido como fazendo um pedido análogo ao seu próprio eleitorado reacionário. Enquanto Hannah Arendt e John Seeley tentam afirmar que a colonização e escravidão ocidental foram atividades “distraídas”, Nietzsche convence leitores de que há glória em tudo isso, se feito corretamente, esteticamente, “além do bem e do mal”. Enquanto Marx quer que as massas redescubram o “comunismo primitivo”, mas dessa vez conscientemente, Nietzsche quer que as elites busquem um programa de “acumulação primitiva”, mas dessa vez conscientemente e sem vergonha privada.

Eu digo privada porque, em antissimetria com Marx, e totalmente consciente do perigo de deixar as pessoas saberem suais reais intenções, Nietzsche recomenda ocultar seus objetivos. Assim entendemos a recepção calorosa a Nietzsche no Ocidente liberal, cujos arquitetos acabam sendo alunos muito melhores de Nietzsche do que os nazistas jamais foram. George Kennan coloca a supremacia americana como um fim em si mesmo, vestindo uma máscara perfeitamente útil de pluralismo liberal, e então segue a ter um papel importante no planejamento de várias décadas de “Pax Americana” na base do terrorismo genocida. A característica definidora do fascista é que eles defendem seu anti-igualitarismo propositalmente. A clivagem entre Liberalismo Clássico e Liberalismo Moderno é simplesmente a consciência elevada, dadas as revoluções e contrarrevoluções do século XX, de que é taticamente conveniente usar uma máscara.

A observação de que o capitalismo sempre opera em aspectos duais (o regime de exploração não-violenta no centro e o regime de expropriação violenta na periferia) é a chave para entender como, embora as suásticas possam ser proibidas e de mau gosto, toda a história do Ocidente pode ser descrita como profundamente fascista:

A profunda hipocrisia e barbárie inerente da civilização burguesa jaz desvendada sob nossos olhos, voltando-se da metrópole, onde assume formas respeitáveis, para as colônias, onde passeia nua. [60]

Elevar Nietzsche à posição de fascista primordial significa que ele não é alguém que pode ser dispensado imediatamente. Nossa tarefa como comunistas é provar que ele está errado.

Conclusão: Um modelo ideológico-espacial do Fascismo

Pois é assim que as coisas são: a diminuição e nivelamento do homem europeu constitui nosso maior perigo, pois sua visão nos cansa. — Não podemos ver nada hoje que queira tornar-se maior, nós suspeitamos que as coisas continuarão a cair, cair, tornar-se mais finas, mais agradáveis, mais prudentes, mais confortáveis, mais medíocres, mais indiferentes, mais chinesas, mais cristãs — não há dúvida que o homem está “melhorando” o tempo todo.
 — Friedrich Nietzsche, 1887. [61]

O modelo de um triângulo equilátero, em que liberalismo, fascismo e socialismo, cada representando uma vértice diferente, é incorreto. A afirmação de Rajani Palme Dutt de que o fascismo representa o “capitalismo em decadência” e “o estertor da morte de uma civilização burguesa moribunda” também confunde as coisas. [62] O fascismo é tão co-constitutivo do capitalismo como é o liberalismo. O liberalismo corresponde ao aspecto operacional da exploração de mais-valia no centro, enquanto o fascismo corresponde ao aspecto operacional da acumulação primitiva em suas fronteiras temporais e espaciais.

Uma versão muito simplificada — mas ainda útil — do modelo marxista “etapista” do desenvolvimento histórico se parece com isso:

  1. Comunismo primitivo
  2. Escravidão
  3. Feudalismo
  4. Capitalismo
  5. Socialismo
  6. Comunismo

Descrever fascismo como o “estertor da morte” do quarto estágio obscura o fato de que ele tem sido presente desde o princípio. O fascismo é apenas o aspecto operacional que a parte azarada do globo experimenta como o capitalismo. Precisamos expandir o modelo para uma segunda dimensão para integrar esse entendimento.

Eu proponho o seguinte:

  1. Comunismo primitivo
  2. Escravidão [63]
  3. Feudalismo — superestrutura ideológica em defesa do direito divino (reivindicações monoteístas e hereditárias de terras)
  4. Capitalismo — superestrutura ideológica em defesa da gênio individual (empreendedorismo, ciência racial, vontade de poder)
    • Aspecto expropriativo: Acumulação primitiva, fascismo.
    • Aspecto explorativo: Trabalho assalariado, liberalismo.
  5. Socialismo — superestrutura ideológica em defesa da consciência de massas (Sovietes, ditadura democrática do proletariado, socialismo científico)
    • Múltiplos aspectos (ex.: “socialismo com características X”)
  6. Comunismo — superestrutura ideológica já não possui mais qualquer conteúdo de classe ou de estado.

Este modelo concebe as potências do Eixo como experimentos fascistas de construção de impérios falidos, e os impérios do Atlântico Norte como bem-sucedidos. Fascismo como uma acusação para de depender de uma caricatura dos nazistas como um alerta de uma distopia futura potencial. Em vez disso, captura o fato de que a brutalidade desumanizante perversa é co-constitutiva da visão de mundo violenta, supremacista branca e “amante da liberdade” ocidental. Como colocou Jiang Shigong:

Essa resiliência diante dos “desafios” tornou-se o espírito selvagem de “liberdade” que os europeus passaram a nutrir, e a resistência à pressão e o ímpeto de dominação mundial foram elevados à posição de ethos filosófico dominante. [64]

Este modelo também faz a distinção entre projetos socialistas e capitalistas mais nitidamente, e rejeita completamente a noção a-histórica de “totalitarismo”, além de qualquer outra formulação que projete o fascismo como uma “terceira via”.

Nietzsche é uma figura essencial porque ele não é confinado a qualquer um dos dois aspectos operacionais do capitalismo, e seu conjunto de obras é imensamente influente. Portanto, ao analisar sua popularidade (“o real é racional”), podemos apreciar o apelo ideológico do fascismo. Sua defesa metafísica e estética da escravidão, somada a suas apelações a um espírito distintamente europeu, por mais belas e eficazes que possam ter sido para muitos, revelam que o talentoso filósofo reacionário não pôde encontrar nenhuma maneira de contrapor o crescente poder e apelo do socialismo científico em termos racionais. Esse entendimento deve nos dar a confiança de não abandonarmos o que Amílcar Cabral denominou de “A Arma da Teoria”. O “Fascismo Realmente Existente”, por mais vulgares que Nietzsche possa ter achado as concessões feitas na busca de sua “nova escravidão”, deve ser derrotado não apenas como uma prática mas também desmantelando totalmente seu ideal reacionário.

Porém, não acredite em mim. Acredite em Nietzsche: “Com a dialética a ralé chega ao topo”.

Principais Obras de Referência

  • Domenico Losurdo, 2002. Nietzsche, o Rebelde Aristocrata.
  • Domenico Losurdo, 2004. Para Uma Crítica da Categoria de Totalitarismo.
  • Domenico Losurdo, 2005. Contra-História do Liberalismo.
  • Domenico Losurdo, 2008. Stalin: História Crítica de Uma Lenda Negra.
  • Ishay Landa, 2018. Fascism and the Masses: The Revolt Against the Last Humans, 1848-1945.
  • Jiang Shigong, 2021. A History of Empire Without Empire.
  • William C. Roberts, 2017. What Was Primitive Accumulation?

Posfácio: Uma pequena nota sobre o Anarquismo

Já que estamos discutindo modelos bidimensionais, seria grosseiro não discutir um modelo bidimensional popular e suas implicações: a “bússola política” [political compass] de dois eixos.

Esse diagrama, popular entre os extremamente onlines, organiza ideologias ao longo de um eixo “Esquerda-Direita” e um eixo “Autoritário-Libertário”. O anarquismo, junto com seus micro-variantes como “anarco-comunismo” e “socialismo libertário”, então reivindica o quadrante “Esquerda-Libertário”, e portanto se posiciona como um dos Quatro Grandes.

Para citar brevemente alguns teóricos anarquistas notáveis:

O comunismo de Marx procura uma enorme centralização no estado, e onde tal existe, deve inevitavelmente haver um banco central do estado, e onde um tal banco existe, a parasitária nação judaica, que especula no trabalho do povo, sempre encontrará uma maneira de prevalecer. [65]

A multidão, o espírito da massa, domina em todo lugar, destruindo a qualidade. [66]

Nietzsche não era um teórico social mas sim um poeta, um rebelde e um inovador. Sua aristocracia não era de nascença nem de dinheiro; era de espírito. Neste quesito Nietzsche era um anarquista, e todos os verdadeiros anarquistas são aristocratas. [67]

Eu não tenho desavenças com libertários que promovem o conceito de capitalismo do tipo que você tem promovido. […] Permita-me deixar claro que se o socialismo, que é o que eu chamo a versão autoritária do coletivismo, fosse emergir, eu integraria a sua comunidade [anarcocapitalista]. Eu migraria à sua comunidade e faria tudo que pudesse para impedir que os coletivistas limitem meu direito de agir como eu quero. [68]

O anarquismo é um subproduto desinteressante do capitalismo caracterizado acima de tudo pela transvaloração por parte de seus adeptos de sua própria irrelevância em uma virtude religiosa. Eu o considero um irmão menor do liberalismo e fascismo, compartilhando de todos os seus delírios de gênio e esplendor.

Isso é tudo que direi sobre neste contexto.


[1] Karl Marx & Friedrich Engels, Manifesto do Partido Comunista (1848). [web] 

[2] Steve Lalla, “Marx didn’t invent socialism, nor did he discover it” (December 2020), Monthly Review. [web] 

[3] William C. Roberts, “What Was Primitive Accumulation? Reconstructing the Origin of a Critical Concept” (2017). [web] 

[4] Jiang Shigong, “A History of Empire Without Empire” (2021). [web] 

[5] Jiang Shigong, “A History of Empire Without Empire” (2021). [web] 

[6] Friedrich Engels, “Review of Thomas Carlyle” (1850), Neue Rheinische Zeitung Politisch-ökonomische. [web] 

[7] John Adams, “Humphrey Ploughjogger to the Boston Gazette” (14 October 1765), Founders Online. [web] 

[8] Alexis de Tocqueville, Sobre o Sistema Penitenciário nos Estados Unidos e sua Aplicação na França (1833). [web] 

[9] In Jon Schwarz, “A estátua de Theodore Roosevelt vai cair. Este é seu passado sombrio” (22 June 2020), The Intercept. [web] 

[10] Winston Churchill, “A Midnight Interview” (1902), The Winston Churchill Society. [web] 

[11] Karl Marx, “Os Resultados Eventuais da Dominação Britânica na Índia” (July 1853). [web] 

[12] Karl Marx, O Capital, Livro 1 (1867). [web] 

[13] Friedrich Engels, “A Polish Proclamation” (June 1874). [web] 

[14] Ishay Landa, “Who’s Afraid of the End of History?” (2009). [web] 

[15] Friedrich Nietzsche, A Gaia Ciência (1882). 

[16] Friedrich Nietzsche, The O Crepúsculo dos Ídolos (1888). 

[17] Friedrich Nietzsche, “O Nascimento da Tragédia,” Ecce Homo (1888). [web] 

[18] Frantz Fanon, The Os Condenados da Terra (1961). 

[19] Antonio Gramsci, “A Revolução Contra O Capital” (1917). [web] 

[20] Domenico Losurdo, Guerra e Revolução: O Mundo Um Século Após Outubro de 1917 (2014), Ch. 5, “The Third Reich and the Natives.” 

[21] Adolph Hitler, Minha Luta (1925), Parte 2, Capítulo 3. 

[22] In H. R. Trevor-Roper, Hitler’s Table Talk, 1941-1944 (1953). [web] 

[23] Heinrich Himmler, Discurso de Posen (1943). [web] 

[24] In Andrew Roberts, Churchill: Caminhando com o destino (2018), p. cvi [web] 

[25] In Shashi Tharoor, “The Ugly Briton” (29 November 2010), Time Magazine. [web] 

[26] J. V. Stalin, “Anti-Semitism: Reply to an inquiry of the Jewish News Agency in the United States” (January 1931), Marxists Internet Archive. [web] 

[27] J. V. Stalin, “Report to the Seventeenth Party Congress on the Work of the Central Committee of the C.P.S.U. (B.)” (26 January 1934). [web] 

[28] J. V. Stalin, “Interview with Roy Howard” (1 March 1936). [web] 

[29] Winston Churchill, Grandes Homens Contemporâneos (1935). [web] 

[30] Winston Churchill, “Address at the House of Commons, Situation at Bilbao” (14 April 1937), UK Parliament. [web] 

[31] In Tristin Hopper, “The prime minister with a man crush for Hitler: The day Mackenzie King met the Fuhrer” (15 May 2017), The National Post. [web] 

[32] In David McCullough, Truman (1992). 

[33] Nick Holdsworth, “Stalin ‘planned to send a million troops to stop Hitler if Britain and France agreed pact’” (18 October 2008), The Sunday Telegraph. [web] 

[34] Benjamin Franklin, The Autobiography of Benjamin Franklin (1793). [web] 

[35] J. V. Stalin, “Order of the Day on the 24th Anniversary of the Red Army” (23 February 1942). [web] 

[36] Franklin Delano Roosevelt in conversation with Henry Morganthau, 1991. Mostly Morganthau — A Family History. New York: Ticknor and Fields, p. 365. 

[37] Ernest Hemingway, “The Red Army is the Pride of Peace-Loving Peoples: Foreign Figures Salute the Red Army” (1942), Pravda. [web] 

[38] Albert Einstein, “Atomic War or Peace” (1945). [web] 

[39] Gar Alperovitz, “The War Was Won Before Hiroshima — And the Generals Who Dropped the Bomb Knew It” (6 August 2015), The Nation. [web] 

[40] Um esboço anterior descrevia muitos desses crimes, mas é difícil fazê-lo sem se alastrar sem parar. Socialismo contra CIA é, afinal de contas, basicamente a história do mundo desde a Guerra Antifascista Mundial. Leitores curiosos podem buscar obras como The Jakarta Method (2020), Balas de Washington: uma História da CIA, Golpes e Assassinatos (2020) e NATO’s Secret Armies: Operation Gladio and Terrorism in Western Europe (2004) para entender o escopo desse projeto. 

[41] Hannah Arendt, Origens do Totalitarismo (1951). 

[42] Hannah Arendt, Origens do Totalitarismo (1951). 

[43] Hannah Arendt, “Reflexões sobre Little Rock” (1957). [web] 

[44] George Orwell, “Por Que Escrevo” (1946). [web] 

[45] Martin Chilton, “How the CIA brought Animal Farm to the screen” (21 January 2016), The Telegraph. [web] 

[46] In Ben Judah, “Why I’ve Had Enough of George Orwell” (16 July 2019), The Wire. [web] 

[47] George Orwell, “England Your England” (1941). [web] 

[48] George F. Kennan, “Measures Short of War” (1946), American Foreign Service Association. [web] 

[49] George F. Kennan, “Report by the Policy Planning Staff” (25 February 1948), United States Office of the Historian. [web] 

[50] In David Greenberg, “U.S. Cold War Policy Was Designed by a Bigot” (19 April 2014), The New Republic. [web] 

[51] Fidel Castro entrevistado por Jas Gawronski (1993), La Stampa. [web] 

[52] Friedrich Nietzsche, Além do Bem e do Mal (1886). 

[53] Karl Marx & Friedrich Engels, Manifesto of the Communist Party (1848). [web] 

[54] Karl Marx, “Carta de Marx a Engels em Manchester” (27 February 1861). [web] 

[55] Karl Marx and Friedrich Engels, A Ideologia Alemã (1845). [web] 

[56] Friedrich Nietzsche, Humano, Demasiado Humano (1878). [web] 

[57] Domenico Losurdo, Nietzsche, o Rebelde Aristocrata (2002), Seção 1.5.6. 

[58] Friedrich Nietzsche, “Richard Wagner em Bayreuth” (1876). [web] 

[59] Christian Thorne, “Marx’s Philosophical Context” (2017). [web] 

[60] Karl Marx, “Os Resultados Eventuais da Dominação Britânica na Índia” (July 1853). [web] 

[61] Friedrich Nietzsche, Genealogia da Moral (1887). 

[62] Rajani Palme Dutt, Fascism and Social Revolution (1934). [web] 

[63] Certamente podemos especular sobre como retransportar esse esquema; talvez se possa argumentar que o politeísmo se correlaciona de alguma forma com a concessão de poder cotidiano sobre a vida e a morte aos senhores de escravos? Explorar essa possibilidade vai além do escopo deste ensaio. 

[64] Jiang Shigong, “A History of Empire Without Empire” (2021). [web] 

[65] Mikhail Bakunin, “Mikhail Bakunin sobre Marx e os Rothschilds” (1871). [web] 

[66] Emma Goldman, “Minorias Versus Maiorias” (1917). [web] 

[67] Emma Goldman, Vivendo Minha Vida (1931). [web] 

[68] Murray Bookchin, “Interview with Jeff Riggenbach” (October 1979), Reason Magazine. [web]